A questão é derrotá-los

João Frazão (Membro da Comissão Política)

O que levará um empresário agrícola que, há uma dezena de anos plantou um olival, a arrancá-lo pela raiz, deixando essas árvores ao sol, destruindo assim uma riqueza que, presume-se, custou tanto a criar? Ora, esta é a realidade que, por estes dias, podemos assistir em várias zonas do Alentejo, designadamente na servida pela Obra Hidroagrícola de Alqueva.

O capitalismo agrário assenta na sobre-exploração dos recursos

O espanto ainda é maior quando nos dizem que o objectivo é plantar, naqueles mesmos terrenos, outro olival, mas agora, em vez de ser em modo intensivo, em modo super intensivo, num compasso ainda mais denso, ou seja, com muito mais árvores, mais de 1600, por hectare.

Trata-se, repete-se, de milhares de árvores, que estão no auge da produção, inseridas num processo, de que, aliás, os poderes públicos se vangloriam como um extraordinário sucesso, por ter permitido passar de uma situação de défice produtivo em azeite para um superavit que ultrapassa os 160%.

Encontramos apenas uma explicação, que é bem reveladora da irracionalidade do capitalismo. Os grupos económicos e o capital financeiro que está hoje por trás do desenvolvimento do capitalismo agrário na região vêem, ali, mais uma oportunidade de negócio e de intensificar ainda mais os seus lucros, a partir da sobre-exploração da terra e dos recursos naturais, designadamente da água.

Ao contrário dos agricultores, que alicerçam as suas forças em ver crescer as sementes que lançam à terra, as árvores que plantam ou os animais que vêem nascer, o capitalismo agrário só se anima com a produtividade, a competitividade, a governança ou modelo de negócio, palavras mágicas que lhes abrem os sorrisos e que enchem as páginas de relatórios e de planos e programas oficiais a justificar estas opções.

Quatro registos

Estas notícias são tão mais inquietantes quanto convocam quatro registos incontornáveis.

O primeiro, é o de que estas situações lembram que já assistimos a este processo, mas arrancando olival tradicional, com dezenas ou centenas de anos, que produzia azeite de altíssima qualidade, praticamente sem a necessidade de rega. Os mesmos que alimentam campanhas em defesa do ambiente, que apontam o dedo aos comportamentos individuais relativos, por exemplo, ao uso da água, tomam medidas em função do seu bolso, que são, elas sim, prejudiciais para o ambiente, para a biodiversidade e mesmo para a saúde pública.

O segundo, relacionado com o facto de tais investimentos, de dezenas de milhares de euros por hectare, serem feitos, em larga medida, à custa de dinheiros públicos. Um capitalismo parasitário, que depende, em primeiro lugar, do apoio directo do Estado para realizar os seus investimentos e, posteriormente, das grandes obras públicas, para sobreviver, mesmo que usem todos os meios para desvalorizar e menorizar o seu papel.

O terceiro é o de que estas operações são realizadas sem que as entidades públicas intervenham, face à realidade de monocultura a que assistimos naquela região. Uma monocultura que, além do mais, não assegura a fixação seja de população, uma vez que quase todo o trabalho é precário, mal pago, assentando em mão-de-obra quase escrava, como acontecimentos recentes nos recordam, seja da riqueza, num quadro em muitas das empresas são estrangeiras, principalmente espanholas, e que as compras que fazem e a maquinaria que empregam vêm de fora e regressam à origem no final dos trabalhos de campanha.

O quarto é o de que perante a evidência da dependência extrema de Portugal em matéria de cereais, que os tempos presentes tornam mesmo dramática, o que seria sensato era colocar estes terrenos, muitos deles dos melhores para este tipo de produção, ao serviço da necessidade de garantir a alimentação do nosso povo.

Desumano e irracional

O capitalismo é um sistema desumano. Havendo hoje a capacidade de produzir alimentos para fazer face às necessidades de toda a Humanidade, não apenas aposta em produções que não o asseguram, como permite o desperdício de milhões de toneladas que impediriam que milhões de crianças continuassem a passar fome, e promove a guerra nos países principais produtores de alimentos.

Mas é, para além disso, irracional. Para garantir o seu único objectivo – acumular lucros e concentrar a riqueza produzida – não olha a meios. Sempre bem instalado à mesa do Orçamento, recorre mesmo, como aqui se vê, sem qualquer hesitação, à destruição da capacidade produtiva instalada, na certeza de receitas públicas imediatas e na expectativa de ainda maiores lucros futuros.

O problema é que política de direita não lhe põe o freio nos dentes. E é por isso que, mais cedo que tarde, temos de derrotar uma e outro.




Mais artigos de: Opinião

Bucha, onde está a verdade?

Desde o passado domingo e até à data da redacção destas linhas, os «media ocidentais» repetem incessantemente as imagens dos cadáveres de Bucha afirmando, sem contraditório, a tese de um «massacre» perpetrado pelas forças militares russas que saíram da localidade no dia 30 de Março. É uma evidência que é necessária uma...

Crise regada com dividendos

A subida generalizada dos preços, com especial destaque para os bens energéticos e os alimentos, tem vindo a corroer diariamente os rendimentos de milhões de trabalhadores e reformados. São aumentos que já vinham de 2021 e que se acentuaram profundamente com a intensificação da guerra na Ucrânia e o disparar de sanções....

Se um jornalista incomoda muita gente...

Dizem-se «jornalistas», trabalham para capitalistas que não são oligarcas, ou para Estados submissos a esses capitalistas mas que nunca são oligárquicos, e acham normal debitarem acriticamente todo o guião de guerra da NATO, pois eles tomaram partido há muito, são soldados da NATO usando o teclado, o microfone e a câmara...

Parecer e ser

A recente escalada do conflito no Leste da Europa motivou uma expressiva corrente de solidariedade para com as vítimas, sobretudo as mais vulneráveis. Em grandes acções como em pequenos gestos, são muitos os que se disponibilizam para ajudar e em escolas, serviços de saúde ou autarquias redobra-se esforços para acolher...

O futuro não está no passado

A guerra na Ucrânia, não dissipada a cortina de nevoeiro e resolvido o mar de incógnitas que inunda o horizonte, marca uma certeza. Depois de 24 de Fevereiro entrámos noutro mundo. Noutro patamar qualitativo do feixe de contradições fundamentais em disputa na arena internacional. Do cavar das novas linhas tectónicas de...