Contextualizando: a CP e os refugiados

Manuel Gouveia

Portugal está há dois anos sem ligações ferroviárias internacionais

Foi anunciado que os refugiados – se ucranianos – poderiam viajar de borla na CP, bastando para tal mostrar documentação ucraniana. Esta notícia tinha logo à partida dois grandes «ses». Desde logo, aquele «se ucranianos», assumindo que existem refugiados de primeira e de segunda, quando as justas medidas de apoio aos refugiados devem-no ser para todos os refugiados das inúmeras guerras que existem. O outro «se» não foi dito, mas em Portugal é inevitável: «se houver comboios». É que estamos há dois anos sem ligações ferroviárias internacionais, consequência de uma política que fez inúmeras promessas mas não concretizou os investimentos necessários.

E de facto não houve comboios, no que foi transformado no seguinte título: «CP deixou refugiados apeados em Badajoz e os restantes tiveram de viajar de pé até Portugal.» Mais uma vez, temos de contextualizar. É que isto foi assim todo o Verão passado, e é assim sempre que a procura aumenta. E não se pode assacar à CP as responsabilidades por esta situação: não foi a CP que ofereceu o que não tinha, nem foi a CP que decidiu destruir as ligações internacionais de Portugal. Foi o Governo que não quis contrariar (como podia, devia e lhe foi reivindicado) a decisão espanhola de cortar as ligações ferroviárias a Portugal.

Agora, por causa das reportagens, a CP admite duplicar a oferta, fazendo o serviço a Badajoz com duas automotoras. Mas não é esse o problema. O problema não é (só) a exiguidade e falta de qualidade da oferta a Badajoz, o problema é a falta de ligações a Madrid e Paris em comboios internacionais – como existiam até há dois anos. O problema não é a falta de transporte para os refugiados ucranianos, o problema é a falta de transporte ferroviário internacional em Portugal para portugueses, espanhóis, e todo o tipo de estrangeiros, sejam turistas, trabalhadores ou refugiados. O problema não são as reportagens, é a realidade.

Por fim, importa deixar claro que o apoio aos refugiados – a todos os refugiados – é uma responsabilidade de todos os Estados, que não deve ser confundida com a exploração abusiva de uma mão-de-obra barata e precária. Ora, não são poucas as declarações de patrões saudando como «caída do céu» a chegada destes trabalhadores, expectavelmente mais qualificados, e principalmente, mais brancos e mais louros que os emigrantes ou refugiados que chegam a Portugal normalmente, e que o patronato já sonha venham a ocupar os milhares de postos de trabalho mal remunerados e com cargas de trabalho abusivas que têm para «oferecer».

As palavras de um dos fundadores da We Help Ukraine foram extraordinariamente elucidativas dos caritativos objectivos de algum «apoio» aos refugiados, que serão, nas suas palavras, uma «nova força de trabalho que trabalha mais e reclama menos» e que «trarão “ódio” (que é um combustível, queira-se ou não) e recalcamento que não passará nas próximas gerações» e que «ninguém espere que sejam trabalhadores das nove às cinco e que venham reclamar o que por cá reclamamos».

Para este tipo de gentalha, a guerra é de facto um mar de oportunidades, neste caso de mão-de-obra mais barata e dócil. Daqui a uns meses estarão a expressar o seu desapontamento, quando descobrirem que estes trabalhadores são como os restantes e como os restantes aspiram a um trabalho digno, com uma remuneração digna e prestado em dignas condições.

Aos refugiados, resta-me expressar-lhes as boas vindas, esperando que o regresso às suas terras seja possível o mais rapidamente possível.




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