No aniversário
A televisão portuguesa aniversariou, ofereceu-nos uma espécie de emissão festiva que não deu motivos para especiais observações, talvez se deva acrescentar que ainda bem. Entretanto, porém, não será excessivo que se aproveite a efeméride para formular um ou dois desejos. Um deles é que não ceda à aparente tentação, que por vezes a visita, de trocar a postura um pouco austera de estação do Estado pelo eventual desejo de se tornar popular no mau sentido da palavra. Trata-se, é claro, de se manter séria na acepção de confiável. E, naturalmente, essa confiabilidade tem a sua primeiríssima linha no noticiário, isto é, no conjunto de informações com que nos permite ir sabendo o que vai pelo país e pelo mundo: não se trata apenas de não nos mentir, sendo claro que essa condição implica não só que não invente falsas realidades mas também que não oculte dados relevantes.
É claro e também compreensível que a televisão escolha, dia após dia, as notícias que irá entregar-nos e que na verdade serão a argamassa noticiosa que dará solidez e coerência à nossa visão do mundo e da vida. E essa função é de tal modo relevante que bem se pode dizer que em larga medida estamos nas suas mãos, nas imagináveis mãos da televisão, para o entendimento da terra que pisamos, do ar que respiramos, e sobretudo do mundo em que muito ou pouco agimos.
Tomemos um dia de emissão, imaginemos o que dele ficou na nossa cabecinha e perguntemo-nos se esse saldo residual contribuiu para uma nossa visão ajustada do mundo que vai por aí fora. Pode parecer uma experiência inútil: não é, é uma pequenina lição com que talvez ensinemos a nós próprios um certo número de coisas. Entre elas, a de que podemos estar a tornarmo-nos uma espécie de extensão da TV ou de quem a controla. E esta não será uma sabedoria inútil ou secundária: bem pelo contrário, será uma aprendizagem fundamental, uma espécie de radiografia às raízes dos nossos convencimentos. Também uma vacina contra enganos. Que muito nos é precisa.