Quando pensar é um problema

Rui Fernandes

Nos dias que correm, é proi­bido pensar di­fe­rente

Lusa

O tra­ta­mento no­ti­cioso da guerra atingiu ní­veis até há bem pouco tempo ini­ma­gi­ná­veis. Já tí­nhamos sido con­fron­tados com o tra­ta­mento de son­da­gens e res­pec­tivo co­men­tário, a pro­pó­sito das elei­ções para a As­sem­bleia da Re­pú­blica. Se al­guém pen­sava que daí se­riam re­ti­radas li­ções, cedo se en­ganou.

É proi­bido pensar di­fe­rente, sendo que todos re­cusam a guerra e todos de­fendem o res­peito pelos ins­tru­mentos que en­formam o di­reito in­ter­na­ci­onal. É proi­bido olhar um pro­blema por di­versos ân­gulos. É proi­bido pensar, não vá al­guém ter essa ten­tação e pro­curar in­for­mação al­ter­na­tiva, a UE, através da fi­gura do Re­gu­la­mento, cen­sura ca­nais de TV e pla­ta­formas di­gi­tais. Onde fica a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica? Por outro lado, os con­su­mi­dores con­ti­nuam a pagar o mesmo sem terem acesso a ca­nais con­tra­tu­a­li­zados. É a de­mo­cracia e o res­peito pelos di­reitos, li­ber­dade e ga­ran­tias por parte do poder do­mi­nante.

Ofi­ciais ge­ne­rais, com re­co­nhe­cida ex­pe­ri­ência em te­a­tros de ope­ra­ções in­ter­na­ci­o­nais ao ser­viço de es­tru­turas mul­ti­na­ci­o­nais, no­me­a­da­mente no âm­bito da NATO e da ONU, dig­ni­fi­cando as Forças Ar­madas, o País e dando a su­ces­sivos go­vernos a opor­tu­ni­dade de fa­zerem os ha­bi­tuais dis­cursos de pompa e cir­cuns­tância, são des­con­si­de­rados e en­xo­va­lhados, desde logo, por pes­soas «cre­den­ci­adas» no co­men­tário e co­lunas de opi­nião. Talvez isto ex­plique muito do es­tado a que isto chegou, pa­ra­fra­se­ando Sal­gueiro Maia.

Si­mul­ta­ne­a­mente, as­sis­timos a um uso de lin­guagem que roça o fan­farrão por parte de res­pon­sá­veis po­lí­ticos, com des­taque para um Mi­nis­tério dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros com tristes tra­di­ções nesta ma­téria e que corre em pa­ra­lelo com no­tí­cias sobre o em­pe­nha­mento de meios mi­li­tares na­ci­o­nais que, por pudor, se es­cusa aqui co­mentar. Me­lhor ser­viço pres­ta­riam se pu­sessem todo esse em­penho e energia na res­posta aos pro­blemas que há anos afectam a Ins­ti­tuição Mi­litar, em vez de con­tri­buírem para a sua con­ti­nuada de­gra­dação e para a des­mo­ti­vação que grassa.

Não é a pro­pa­ganda que re­solve os pro­blemas. Tal como não é lan­çando ga­so­lina na fo­gueira que o fogo se apaga. À fa­lácia su­ces­si­va­mente re­pe­tida da NATO como or­ga­ni­zação de­fen­siva, deve-se su­bli­nhar que se trata de uma ali­ança po­lí­tico-mi­litar que reúne Es­tados e as suas forças ar­madas para se or­ga­ni­zarem para o com­bate de ini­migos.

Ao con­trário, a um sis­tema de se­gu­rança e co­o­pe­ração, é alheia a noção de ini­migo e uma qual­quer es­tru­tu­ração de forças mi­li­tares. São ló­gicas dis­tintas. Como re­pe­ti­da­mente temos afir­mado, su­ces­sivos go­vernos com­portam-se como se Por­tugal não ti­vesse in­te­resses pró­prios a de­fender.

Ora, o que o tempo pre­sente re­quer é a dis­cussão em torno da cons­trução da paz, através da de­fi­nição de um pro­cesso as­sente no res­peito mútuo, na cri­ação da con­fi­ança, na er­ra­di­cação das he­ge­mo­nias e das re­la­ções de do­mínio e su­bor­di­nação. Não houve ne­nhum im­pério que, as­sente na força, não aca­basse por ruir pela força dos ini­migos que criou. A cha­mada paz im­pe­rial não cria paz, nem es­ta­bi­li­dade, nem se­gu­rança.




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