Cuba é testemunho de «resistência, valentia e luta»
A deputada do PCP no PE, Sandra Pereira, integrou a delegação do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica – A Esquerda no Parlamento Europeu (GUE-NGL), que, no início do mês, visitou Cuba, a convite da Assembleia Nacional do Poder Popular. Em entrevista ao Avante, fala dessa visita a Cuba socialista.
Cuba prossegue a luta em defesa da soberania, independência e direito de escolher o seu caminho
Que balanço se pode fazer da visita que realizaste a Cuba, integrada na delegação do Grupo Confederal GUE/NGL do PE?
A visita, realizada a convite da Assembleia Nacional do Poder Popular, foi muito positiva e oportuna. Pela possibilidade de expressar, em inúmeras ocasiões, solidariedade com Cuba e o seu povo, pela oportunidade de contactar com os progressos, as conquistas sociais e os direitos que o povo cubano alcançou, apesar de um cruel e ilegal bloqueio económico, comercial e financeiro imposto há mais de 60 anos pelos EUA, e pelo testemunho da resistência, valentia e luta de Cuba e do seu povo na defesa da Revolução e das suas realizações.
Como têm o Partido Comunista de Cuba (PCC) e o Governo cubano procurado enfrentar as consequências do bloqueio, nomeadamente no plano económico?
A situação não é fácil se, às consequências do bloqueio, acrescentarmos o impacto da pandemia. As receitas do turismo diminuíram drasticamente, tendo sido necessário implementar medidas extraordinárias para apoiar esse sector, mas também a área da cultura, por exemplo.
A Constituição da República de Cuba, adoptada em 2019, e aprovada em referendo por 86% do povo cubano, prevê a incorporação na sociedade socialista de empresas não estatais, cuja actividade complemente a das empresas estatais. Procura-se garantir investimento com impacto positivo na produção nacional e no desenvolvimento local, que contribua para o crescimento da economia e a criação de emprego.
Até ao momento, já foram constituídas mais de 1900 micro, pequenas e médias empresas e cooperativas (sobretudo agropecuárias), que se estima que possam criar mais de 30 mil postos de trabalho.
Recorde-se que em 2021, num momento de grande exigência e dando execução a um plano económico – que tem também como objectivo facilitar o investimento estrangeiro, rompendo o bloqueio e tentando diminuir alguns dos seus efeitos –, se avançou igualmente com o processo de unificação monetária.
Trata-se de uma situação que coloca grandes exigências, capacidade de organização e intervenção, muita determinação e participação popular.
E no sector da saúde, qual é a situação actual?
Os níveis de vacinação completa são bastante elevados, com quase 90% da população vacinada e, por isso, a epidemia está bastante controlada e há condições para a abertura do país ao turismo.
É impressionante como este país, sujeito a um bloqueio desumano, tem não só a capacidade de produzir as suas próprias vacinas como mantém o princípio da solidariedade bem vivo e ajudou até países que integram a UE, em tempos de pandemia.
O Sistema Nacional de Saúde de Cuba evidencia bem como o planeamento económico e social deve estar ao serviço do povo e não do lucro de alguns.
A gratuitidade do sistema e uma forte aposta nos cuidados de saúde primários, próximos das populações, em consultas de estomatologia, numa rede de lares e de centros de dias são apenas alguns dos exemplos das conquistas e dos direitos do povo cubano, que deixam para trás países europeus.
Face ao bloqueio, que medidas têm sido adoptadas para reforçar a participação dos cidadãos, o poder popular, a democracia socialista?
Apesar do bloqueio, a revolução socialista resiste e continua. E não porque seja imposta mas porque é protagonizada pelo povo cubano. Isso é visível na participação de muitos cubanos, desde muito jovens, nas associações populares, algumas das quais tivemos a oportunidade de conhecer, mas também na forma como o povo é envolvido e debate a situação do seu país e o caminho a prosseguir.
Vou dar um exemplo que está a acontecer neste momento em Cuba: a discussão do anteprojecto do Código das Famílias, que pretende ser inclusivo e reconhecer os tipos de família que existem em Cuba.
O texto foi redigido por uma comissão após um amplo processo de consulta, que levou à elaboração de 23 versões alteradas do documento, e teve de ser aprovado pela Assembleia Nacional, a que se segue uma consulta popular, de 1 de Fevereiro a 30 de Abril.
Estão previstos cerca de 78 mil encontros nas circunscrições, onde os participantes poderão propor alterações.
Depois de integradas as contribuições da consulta pública, o texto alterado será referendado e, se aprovado, converter-se-á em lei.
Foi aliás um processo semelhante a este que levou à aprovação e entrada em vigor da Constituição de 2019.
Em que país que integra a UE haverá processos tão democráticos quanto este?
Tendo em conta a solidariedade internacional com Cuba, há perspectivas de alguma mudança na política dos EUA?
Penso que houve alguma expectativa com a eleição de Biden que, durante a campanha eleitoral, assumia dar continuidade à política de Barack Obama relativamente a Cuba, no entanto ainda não reverteu nenhuma das 243 medidas coercivas e unilaterais que a administração Trump impôs contra o povo cubano.
O governo e o PCC estão dispostos a relacionar-se com os EUA mas essa relação tem de ser baseada no respeito mútuo, na não ingerência, e ser mutuamente vantajosa.
Ora os EUA continuam e incrementam a sua política hostil contra Cuba e o seu povo, para a qual procuram o apoio dos seus aliados, incluindo o do Governo português.
Cuba, o povo cubano, a sua revolução, continuam a sua corajosa luta em defesa da sua soberania, independência, do direito de escolher o seu caminho, para a qual contam com a firme solidariedade do PCP.
Está alguma iniciativa prevista, no âmbito da intervenção no PE, na sequência desta visita?
A delegação veio ainda mais mobilizada para a solidariedade com a justa causa cubana.
Quer através do grupo parlamentar quer através do Grupo de Amizade do PE com Cuba, há espaço para intervenção, seja na rejeição do bloqueio seja na divulgação das conquistas e progressos sociais em Cuba ou na denúncia das tentativas desenvolvidas no PE para pôr em causa o Acordo de Diálogo e Cooperação da UE com Cuba, em processo de ratificação desde 2016.
Está prevista uma nova visita no fim de Abril para que os deputados do Grupo de Amizade do PE com Cuba possam desfilar no 1.º de Maio ao lado do povo cubano que dá voz à defesa da sua Revolução.