Mali pretende rever acordo com França
Dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se pacificamente na semana passada em Bamako e noutras cidades malianas. Acusam a França de ingerência no país e protestam contra as sanções impostas ao Mali pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (Cedeao).
Reunidos em Acra dias antes, os chefes de Estado oeste-africanos aprovaram medidas severas para punir o Mali por incumprimento do calendário previsto para devolver o governo aos civis. A junta castrense propusera um prazo de cinco anos para a realização de eleições presidenciais e legislativas, mas a proposta foi rejeitada pela Cedeao.
As sanções incluem o congelamento de activos em bancos regionais, o encerramento das fronteiras, um bloqueio comercial (com excepção de produtos essenciais) e a retirada de embaixadores.
Os militares consideram que as sanções, «desumanas» e «ilegais», atingem sobretudo as populações, já muito castigadas pela guerra, por conflitos sociais e pela pandemia.
Os coronéis malianos mostram disponibilidade para o diálogo, justificam as suas posições com a complexidade da situação e insistem que o retorno à ordem constitucional não se pode promover sem pôr fim ao conflito armado. Atribuem à França e seus aliados responsabilidades pela grave crise política e económica no país saheliano.
Neste contexto, o ministro dos Negócios Estrangeiros maliano, Abdoulaye Diop, anunciou que Bamako já desencadeou a revisão do tratado bilateral militar com Paris. O primeiro-ministro, Choguel Maiga, antecipara ser necessário mudar os «acordos desequilibrados que fazem de nós um Estado que nem sequer pode sobrevoar o seu território sem autorização da França».
Nouhoum Sarr, vice-presidente do Conselho Nacional de Transição, órgão criado para substituir o parlamento, foi mais longe e opinou que a situação no Mali, em matéria de segurança e luta anti-terrorista, «não melhorou» ao longo de quase uma década de intervenção militar da França e da manutenção de forças multinacionais das Nações Unidas. Mais: «Apesar da presença de três mil soldados franceses e de outros 20 mil militares estrangeiros, a insegurança ganhou terreno», pelo que se coloca «a questão da eficácia ou pelo menos da pertinência desta operação».
O dirigente maliano culpa a operação Barkhane, lançada pela França em 2004, de não servir para grande coisa «a não ser continuar o apoio aos bandos armados separatistas que, desde há vários anos, rebelaram-se contra o Mali». E acusa mesmo Paris de ter «instrumentalizado» esses grupos «para criar um novo Estado no Sahel» e «apoderar-se dos recursos naturais» do Mali.
As tensões entre Paris e Bamako aumentaram quando a França e outros países ocidentais alegaram que as autoridades militares malianas teriam contratado a empresa militar privada russa Wagner, informação sempre desmentida quer pela Rússia, quer pelo Mali.
«No nosso país não há Wagner. Nós cooperamos Estado a Estado. Cooperamos com as autoridades legítimas russas, tal como cooperamos com as autoridades francesas, espanholas, alemãs, checas…» – esclareceu Nouhoum Sarr. E precisou: «Isso é, mais uma vez, uma montagem de ex-potências coloniais que manifestamente apoiam as sanções da Cedeao e continuam a instrumentalizar várias organizações contra o Mali».