A Promessa, de Bernardo Santareno, pelo Intervalo – Grupo de Teatro
Estreada no Porto em 1957, A Promessa foi retirada de cena pela censura
A peça A Promessa, de Bernardo Santareno, faz parte do período inicial, o seu «primeiro ciclo», da construção de uma obra dramática ímpar no panorama da nossa escrita teatral contemporânea, publicado em 1957, publicada juntamente com as peças O Bailarino e A Excomungada. Já nos livros de poesia, Morte na Raiz, de 1954, e Romances do Mar, de 1955, nomeadamente nos «romances» aí incluídos, encontramos alguns dos temas que irão estruturar grande parte do teatro de Bernardo Santareno: a solidão, a morte, o medo, a angústia, as paixões trágicas, o amor não correspondido, as injustiças, o fatalismo, a religiosidade, o fanatismo, a homossexualidade explícita ou apenas subliminarmente sugerida.
O desejo é encarado por Santareno, em grande parte da sua criação dramática, como uma maldição, motivo e origem de todas as perseguições, inquisições e morte, a loucura e o desvario psíquico, que as teorias de Freud influenciam, como acontece em Fassbinder e Tennessee Williams, serve ao autor de A Promessa como metáfora sobre a ausência de liberdade e intolerância – tal como o fez na abordagem da sexualidade, sobretudo quando reprimida por questões de crença religiosa. É nesse afrontamento face à opressão então vivida no País que a escrita de Santareno se afirma contra os códigos vigentes, contra a Censura e inscreve no seu teatro um amplo sentido libertário, de justiça e de dignidade do humano.
A Promessa, estreia no teatro Sá da Bandeira, no Porto, a 23 de Novembro de 1957, pouco depois da sua publicação, com encenação de mestre António Pedro, tornando-se num enorme êxito de público e de crítica, êxito que apenas durou umas escassas onze sessões, face à campanha movida por algumas figuras conservadoras do Porto, através de telegramas enviados ao Governo Civil e aos jornais afectos ao regime, que determinam o seu fim abrupto, a 6 de Dezembro.
A Promessa seria reposta dez anos volvidos, no teatro Monumental, em Lisboa, com encenação de Paulo Renato e tendo como protagonista a actriz Laura Alves.
É esta peça densa, com uma fortíssima componente erótica, transgressora em relação aos costumes e às crenças de uma comunidade piscatória (a Nazaré, ao caso), com uma linguagem plena de referências místicas, de um lirismo arrebatado, próximo dos seus primeiros livros de poesia, nomeadamente de Romances do Mar, em que a temática da castidade já aparece em alguns dos poetas, num discurso teatral que não se atém nas fronteiras do trágico e do emotivo e se transcende, sem medo das palavras, nos territórios do ser, da angústia, do fulgor dos corpos e da desmesura sensorial, que o Intervalo – Grupo de Teatro, estreou no seu pequeno e mágico espaço do Teatro Lourdes Norberto, em Linda-a-Velha.
Um grupo coeso de actores, que se conhecem e trabalham juntos há alguns anos, André de Melo, Dina Santos, João José Castro, João Pinho, Pedro Beirão, Rita Bicho e Teresa Neves ergueram, sob a direcção do também actor Miguel de Almeida, uma das carismáticas peças do nosso «mais pujante dramaturgo do século XX», incorporando as fortíssimas personagens criadas por Santareno: Maria do Mar, José, Jesus, Labareda, Salvador, Rosa, Padre e as diversas Velhas, qual coro grego, que percorrem grande parte da obra do autor de O Lugre, fazendo-o sempre com assertiva dignidade, mesmo quando a ausência da componente erótica, que envolve todo o discurso, escapa a esta abordagem, sobretudo na cena final entre Maria do Mar e o marido José.
Os «animais ferozes» que rolam pelo chão perdidos na volúpia da paixão e do desejo, como queria Santareno, não acontece – e é pena.