Coreografia dos Sentidos, de Manuel Veiga

Domingos Lobo

Manuel Veiga apresenta um universo poético singular

Manuel Veiga, um transmontano há muito residente na zona de Lisboa, em cuja Universidade se licenciou em Direito, vindo a exercer a função de consultor jurídico em vários municípios da área Metropolitana da capital, tendo sido eleito, nas listas da CDU, por vários mandatos, nos anos 1980/90, presidente da Assembleia Municipal, em Loures. Publicou artigos de opinião em vários jornais, como o Diário de Lisboa e O Diário e nas revistas Economia EC e Poder Local. Integra, desde 2007, o conselho redactorial da Seara Nova.

Manuel Veiga vem publicando, com alguma assiduidade, desde 2015, uma série de livros em que a temática da Guerra Colonial (Do Amor e da Guerra – Fragmentos) e um livro sobre a memória e a linguagem metafórica (Notícias da Babilónia), nos revelaram um autor de vastos recursos discursivos.

Mas é na poesia que a voz de Manuel Veiga melhor se expressa. Coreografia dos Sentidos, o seu mais recente livro de poemas, dá-nos já um consolidado estilo, uma identidade própria, um modo singular de ver e estar no mundo e do seu empenho criativo: «A reinventar o léxico/E a desenhar o bailado/Desordem que arde/Sob o sol a pique». Não sei de melhor forma de um poeta dizer ao que vem, de se afirmar construtor de palavras e da sua imanente desordem.

Sabemos que o poeta não vem, com este livro – porque é no espaço solar e lírico das palavras que ele se afirma, como se fora um bailado –, tecer mágoas, carpir nostalgias, inventariar remorsos. Tarefas para outros, que não para este poeta solar, que transfigura as dores do corpo e dos sentidos sem gritos de amargura existencial, preferindo «soletrar o frio», conhecendo por dentro, e pelo caminho andado «as estultas regras/Viciadas» do difícil jogo de estar vivo.

Diz-nos, como se nos falasse ao ouvido, numa monódia com harpejos surreais, de universos íntimos, fabulares, em torno dessa coisa enigmática, fragmentária, vulcânica e silente que é a criação poética, esse abrigo aberto a todas as gramáticas do Ser em conjunção com o Outro.

Um universo poético singular, no qual persiste a análise da essência da própria construção do poema e a separação entre o acto e a fala, conjugados em pulsões íntimas, emotivas, com a responsabilidade ética pelo que nele se diz.

Ao ler Coreografia dos Sentidos lembro um poema de Raul de Carvalho, quando ele, referindo-se a Álvaro de Campos, escreve «aquilo era demasiado meu/para ser dele». Isto para dizer que a poética de Manuel Veiga, o seu modo poético, mesmo transportando em seu bojo uma imperecível marca identitária, nos toca por ser nossa, vem de uma geração de acertos e rebeldias ideoestéticas, posteriores ao empenho social e à determinante influência que a poética neorrealista exerceu entre a Guerra Civil de Espanha e os anos 1960. A poesia de Manuel Veiga transporta ressonâncias sincrónicas com alguns autores da Geração de 60/70, do século XX, nomeadamente Gastão Cruz, Pedro Tamen, António Franco Alexandre ou Armando Silva Carvalho, que trouxeram para a poesia a envolvência estética das palavras sem escamotear um olhar crítico sobre o «real quotidiano».

Coreografia dos Sentidos traz-nos um olhar poético remoçado, a um tempo extenso e ágil, fulgurante, a provar que o poeta se constrói nos sortilégios transitivos do Ser e da Memória – ilidindo o Tempo e os modos de o desordenar. Uma poética de amor, de solidariedade, de paisagens humanas. A trazer-nos a flor dos gritos nestes dias incertos.




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