Raridades
Dois meses passaram desde o anúncio do pacto militar entre os EUA, Reino Unido e Austrália para a região do Indo-Pacífico, conhecido por AUKUS, feito à revelia da UE e a que curiosamente não se juntaram nem a Nova Zelândia nem o Canadá. Nesse interim, enquanto a França remoía a traição de ser posta de lado no negócio, especulou-se sobre uma hipotética reacção militar chinesa visando Taiwan; os EUA acusaram a China de ter testado armas hipersónicas, por acaso (?) o tipo de armas que eles próprios querem instalar na Europa, para o que já reactivaram o 56.º Comando de Artilharia na Alemanha, segundo informava a semana passada o portal The Drive; e subiram de tom as acusações ao «Império do Meio» por alegado empenho na corrida armamentista e falta dele no combate às alterações climáticas, ao melhor estilo dos velhos tempos da Guerra Fria.
Foi com este pano de fundo que teve lugar a cimeira virtual entre o presidente norte-americano, Joe Biden, e o seu homólogo chinês, Xi Jinping, no início da semana, com o primeiro armado em pacifista e a bater na tecla dos «direitos humanos», sem deixar transparecer o que está verdadeiramente em causa.
Ora acontece que tal como o Médio Oriente tem o desplante de estar instalado em cima do «nosso» petróleo, também a China tem o descaramento de ser o maior produtor mundial de terras raras, conjunto de elementos químicos existentes na crosta terrestre, fonte de derivados essenciais para o fabrico dos componentes electrónicos indispensáveis à economia digital. Sabendo-se que Pequim controla mais de metade da produção global de metais de terras raras e mais de 85% da respectiva refinação, incluindo o que é extraído nos próprios EUA e segue depois para processamento final nas empresas chinesas, percebe-se que os gigantes do mundo dos negócios tenham tremido com a decisão chinesa, na sequência dos impactos da pandemia, de impor um controlo às exportações neste âmbito.
Biden, que conhece bem a expressão «é a economia, estúpido», estará agora a (re)aprender que na milenar paciência chinesa também funciona «é a política, estúpido». Isso mesmo ficou patente quando, à provocação do AUKUS, Pequim respondeu com o pedido de adesão ao Acordo de Livre Comércio da Ásia-Pacífico, o mesmo implementado por Obama com exclusão da China e posteriormente abandonado por Trump em 2017. O pedido, bem acolhido pela Nova Zelândia, reforça a liderança chinesa no comércio global e deixa os EUA mais isolados, escreveu na altura o «Global Times».
É pouco provável que se ouça falar nestas áridas questões, sem a capacidade mobilizadora dos tão rentáveis «direitos humanos» ou as alegadas intenções bélicas a ver se a provocação pega. Não é de estranhar. A transparência ainda é mais rara do que metais raros.