A dívida para com a CP

Manuel Gouveia

Um dos temas que o PS tem trabalhado nos últimos dias é a ideia de que, por culpa do PCP e do seu chumbo do OE, a CP já não teria uma injecção de 1,8 mil milhões de euros que acabaria com a sua dívida histórica.

Esta ideia assenta num conjunto de falsificações, marteladas ao longo dos anos pelos sucessivos governos, e amplificadas por uma comunicação social bem amestrada. Vamos tentar, nestes dois mil caracteres, demonstrar a falsidade desta tese.

Não se trata de qualquer injecção de dinheiro na CP. Trata-se tão somente de colocar na dívida pública uma dívida que já está consolidada na dívida pública. É uma mera operação contabilística, com efeitos positivos na capacidade de endividamento da CP, é certo, mas nulos efeitos na dívida nacional e nas contas públicas.

Os investimentos na CP – a necessária e prometida aquisição de material circulante, para o serviço Alfa, para o Serviço Urbano, para um conjunto de Linhas Regionais – continuavam ausentes do Orçamento, onde apenas aparecia o velho concurso das 22 automotoras para o Regional (que o Governo promete colocar em todo o lado, mas são insuficientes para responder às necessidades do próprio regional). Como o PCP propôs, fazem falta três mil milhões (a 15 anos) para investir em material circulante e reconstruir a capacidade produtiva nacional neste sector. Mas esses valores e esse projecto nunca o PS esteve disposto a colocar no OE.

Nesta discussão importa igualmente ter presente que a CP não tem uma dívida ao Estado. É o Estado que tem uma imensa dívida histórica para com ela, construída ao longo de dezenas de anos de suborçamentação e desorçamentação:

O investimento em comboios foi sendo colocado às costas da CP;

As indemnizações compensatórias nunca compensaram o desconto tarifário praticado;

A CP nunca recebeu as devidas compensações pelo passe social, que durante largos anos foram exclusivamente atribuídas às empresas privadas;

A CP foi obrigada a suportar os custos com o serviço da dívida nela criada por estas práticas.

Ou seja, há uma dívida pública depositada na CP, pelos sucessivos governos do PS e do PSD, que há muito deveria ter de lá desaparecido. E a simples operação contabilística que é a sua assumpção pela dívida nacional, onde já está consolidada, só não aconteceu nos últimos cinco OE aprovados porque o PS nunca o quis fazer.




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