Direito ao desenvolvimento e à soberania sem ameaças, bloqueios e sanções
O movimento da paz e da solidariedade português promoveu nos últimos dias várias acções de apoio à luta dos povos da América Latina, e desde logo de Cuba e da Venezuela, pelo seu direito à paz, ao desenvolvimento e à soberania, livres de todo o tipo de ameaças, sanções e bloqueios.
O imperialismo não olha a meios para tentar manter a sua hegemonia
Na segunda-feira, 15, quando o imperialismo montava mais uma das suas operações de ingerência e desestabilização contra Cuba, foram muitos os que se concentraram ao final da tarde junto à representação diplomática cubana em Lisboa a exigir o fim do bloqueio norte-americano e a reafirmar o direito de Cuba – como aliás de qualquer outro país – à paz, ao desenvolvimento e à soberania.
Um pouco por todo o mundo tiveram lugar acções semelhantes pelos mesmos objectivos: nos próprios Estados Unidos da América, realizaram-se concentrações em Washington e Nova Iorque, esta última junto à sede da missão de Cuba nas Nações Unidas. Houve igualmente acções junto às embaixadas de Cuba em Londres e Madrid e em frente ao Consulado Geral da ilha, em Barcelona. Na capital da Argentina, Buenos Aires, a concentração solidária não só prestou solidariedade a Cuba e à sua revolução como defendeu de provocadores o edifício da embaixada. O presidente e o ministro das Relações Exteriores de Cuba, Miguel Diaz-Canel e Bruno Rodríguez, agradeceram a solidariedade demonstrada um pouco por todo o mundo.
Na concentração de Lisboa, que decorreu sob o lema Não ao Bloqueio dos EUA! Cuba Vencerá!, as intervenções ficaram a cargo de algumas das entidades promotoras da concentração: o CPPC, a CGTP-IN, a Associação de Amizade Portugal-Cuba (AAPC) e a Associação Projecto Ruído. Em todas se destacou o carácter ilegal e criminoso do bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba e se exigiu o seu levantamento. Em todas também se contrapôs a dignidade do povo cubano e os feitos extraordinários alcançados pela sua Revolução com a indignidade do imperialismo, que procura impedir por todos os meios o total – e livre – desenvolvimento de um povo.
Obstáculos e resistência
O presidente da AAPC, Augusto Fidalgo, denunciou as «agências de terror criadas [pelos EUA] para orientar e dinamizar acções desestabilizadoras em estados soberanos que se opõem às suas pretensões hegemónicas». Ao invadirem o espaço nacional cubano e interferirem permanentemente nos assuntos internos de Cuba, os EUA «praticam uma política terrorista», acrescentou. Quanto ao bloqueio, o «sistema de sanções unilaterais mais injusto, severo e prolongado que algum dia foi aplicado a qualquer país», o presidente da AAPC considera que ele constitui o «principal obstáculo para o desenvolvimento de todas as potencialidades da economia cubana». Mas é, sobretudo, um instrumento da política de mudança de regime aplicada contra Cuba.
Em nome da CGTP-IN, João Coelho lembrou o recente processo constitucional cubano, amplamente participado: em 2019, a nova Constituição foi aprovada em referendo por 86 por cento dos votantes, após um ano de debate preparatório com «enorme participação popular». É precisamente o direito de Cuba ao desenvolvimento, «a partir daquele que é o modelo económico e político que tem sido reiteradamente sufragado pelo povo», que os EUA pretendem pôr em causa, com o bloqueio e com as múltiplas acções de desestabilização e ingerência.
Exemplos e violações
Vicente Almeida, da Associação Projecto Ruído, valorizou a significativa presença juvenil naquela acção e destacou as impressionantes conquistas da juventude cubana ao nível da cultura, do desporto, e da educação. Sobre esta, destacou, Cuba é um exemplo, ao assumi-la como prioridade, «garantindo a sua gratuitidade, universalidade e equidade». Valorizada foi também a participação política dos jovens cubanos, «incluídos no processo de decisão política, sendo a sua voz ouvida e respeitada, como é exemplo a presença dos jovens na Assembleia Nacional do Poder Popular, órgão máximo de poder político cubano».
Pelo CPPC, falou Gustavo Carneiro, da direcção nacional, que demonstrou como o bloqueio e a permanente agressão dos EUA contra Cuba contradiz os princípios inscritos na Carta das Nações Unidas: a defesa da paz, a igualdade entre os Estados, o direito à autodeterminação dos povos, a cooperação no sentido da resolução dos problemas de carácter económico, social, cultural ou humanitário.
Aliás, acrescentou, toda a política externa norte-americana viola abertamente estes princípios, como fica evidente pelas sucessivas agressões militares, pela imposição unilateral de sanções e bloqueios, pela proliferação de bases e contingentes militares em vários pontos do mundo, pela corrida aos armamentos.
Pirataria imperialista à riqueza dos povos
No dia 11, dezenas de pessoas concentraram-se junto à sede do Novo Banco, em Lisboa, para exigir a devolução à República Bolivariana da Venezuela dos fundos ilegalmente retidos por aquela instituição bancária, actualmente nas mãos do fundo abutre norte-americano Lone Star: na faixa empunhada por alguns participantes, lia-se o valor em causa – mais de 1500 milhões de euros; e o fim a que o dinheiro se destinava – a aquisição de medicamentos para o povo venezuelano.
Se o saque daqueles fundos tem já algum tempo, ainda em Julho deste ano o Banco de Desenvolvimento Económico e Social da Venezuela (BANDES) solicitou o pagamento à Organização Pan-Americana de Saúde de vacinas e medicamentos destinados às crianças venezuelanas, a que o Novo Banco não deu resposta. Revela-se assim o carácter criminoso do bloqueio norte-americano, que priva o povo venezuelano de bens e serviços fundamentais à sua vida e ao seu bem-estar.
Como afirmou Luís Carapinha, do CPPC, o congelamento de activos financeiros que pertencem ao Estado e ao povo venezuelanos é «um acto de pirataria, de terrorismo» por parte daqueles que, depois, vêm falar de «direitos humanos, de crianças, das filas, da perda de poder de compra dos salários», quando são eles próprios a agravar as condições de vida do povo da Venezuela, incluindo da numerosa comunidade portuguesa que ali vive e trabalha.
O activista do CPPC denunciou ainda a «total cumplicidade da comunicação social dominante» com a campanha de asfixia financeira de um Estado soberano e a subserviência do Governo português, que dessa forma viola os princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, a que estaria obrigado a cumprir.
João Coelho, da CGTP-IN,relacionou o bloqueio e as sanções impostas pelos EUA com a ousadia da Revolução Bolivariana em «retirar sectores estratégicos, nomeadamente o petróleo, das mãos da oligarquia local e do imperialismo norte-americano, colocando-os ao serviço do desenvolvimento do país, dos trabalhadores e da solidariedade internacionalista».
Tal como Luís Carapinha faria em seguida, João Coelho denunciou a hipocrisia dos que se dizem preocupados com o povo venezuelano ao mesmo tempo que tornam a sua vida cada vez mais difícil: «se estivessem genuinamente preocupados com os venezuelanos, paravam a perseguição e o bloqueio que impede que o Estado venezuelano utilize os seus recursos de forma soberana, incluindo para comprar alimentos, medicamentos e outros bens essenciais, particularmente necessários nesta conjuntura marcada pela epidemia de COVID-19».
Entre as palavras de ordem entoadas, ouviu-se «Fim ao bloqueio! Devolvam o dinheiro!» e «Venezuela vencerá! Dinheiro de volta, já!»
Solidariedade que constrói
No dia 11, sensivelmente à mesma hora, tinha lugar nas instalações da Universidade Popular do Porto um debate promovido por esta instituição em parceria com o CPPC, dedicado precisamente à solidariedade com os povos da América Latina. Na mesa, com os representantes das duas organizações promotoras – Ilda Figueiredo, pelo CPPC, e Sérgio Vinagre, pela UPP – estiveram Moara Crivelente, do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz, e, da Embaixada de Cuba, Jassellys Roque.
Das várias intervenções, que abordaram tanto aspectos particulares de cada um dos países como a ofensiva geral contra os povos do subcontinente, sobressaiu a denúncia do imperialismo, que não olha a meios para submeter os Estados da região aos seus ditames. Valorizada foi a luta dos povos, capaz de desbravar caminhos novos de soberania e progresso e, em muitos casos, de resistir a tentativas de golpe e ingerências várias. A solidariedade foi assumida por todos os oradores como um elemento indispensável à construção de um mundo de paz, progresso social e soberania.
O eterno dilema: região de progresso e paz ou pátio das traseiras dos EUA?
A história da América Latina e das Caraíbas nos últimos dois séculos é a do conflito permanente entre a luta dos povos pela emancipação social e nacional e a dominação imperialista norte-americana, exercida directamente ou por intermédio das oligarquias dependentes dos EUA: a cada avanço libertador ou simplesafirmação de soberania segue-se a reacção de quem vê ameaçados os seus privilégios e posição hegemónica.
São muitos os exemplos desta persistente ingerência imperialista. Fiquemo-nos por alguns dos mais flagrantes.
Em 1934, o general Augusto César Sandino foi assassinado após ter expulsado do país os marines norte-americanos que há muito ocupavam a Nicarágua. Duas décadas mais tarde, o presidente guatemalteco Jacobo Arbenz foi deposto por um golpe militar por ameaçar o poder totalitário da United Fruit, verdadeira dona do país centro-americano.
Em nome da luta anticomunista, a Operação Condorespalhou ditaduras militares e esquadrões da morte em vários países do continente, responsáveis umas e outros por dezenas de milhares de mortos e desaparecidos: o golpe de 11 de Setembro de 1973, que afogou em sangue a experiência socialista chilena, foi comandado a partir de Washington, após longos meses de sanções e sabotagem económica apostados em fazer guinchar de dor a economia chilena. Foram também os EUA a invadir Granada em 1983 e Panamá em 1989-90 e a criar, armar e apoiar os Contra, para travar a revolução popular Sandinista na Nicarágua.
Mas desengane-se quem pensar que a ingerência imperialista na América Latina e Caraíbas ficou lá atrás, algures na história. Já neste século, vários golpes – militares ou «institucionais» – interromperam processos incómodos para os interesses dos EUA e das oligarquias ao seu serviço: nas Honduras, em 2009; no Paraguai, em 2012; no Brasil, em 2016; na Bolívia, em 2019, este último revertido em menos de um ano pela intensa luta popular travada naquele país.
Contra Cuba socialista tentou-se de tudo nos últimos 60 anos e contra tudo ela prevaleceu: tentativas de invasão, atentados contra a vida de dirigentes, sabotagemeconómica e, claro, o bloqueio. Actualmente, uma poderosa e multifacetada campanha comandada a partir dos EUA visa a desestabilização do país – que enfrenta os efeitos do recente agravamento do bloqueio – e a quebra da solidariedade internacional.
Também a Venezuela é, desde há mais de duas décadas, um alvo central do imperialismo na América Latina: determinadas em derrubar a Revolução Bolivariana, sucessivas administrações norte-americanas recorreram e recorrem a conhecidos expedientes: golpes de Estado (em 2002, Hugo Chávez chegou a ser apeado por poder por algumas horas), sabotagem, apoio às oligarquias para promover a desestabilização interna, bloqueio.
A luta aí está, acesa. E a última palavra, como sempre, caberá aos povos.