«Totalmentes»
Sempre que não querem enfrentar os problemas de grande sensibilidade por parte de um sector ou uma camada da população, os diversos governos apressam-se a dinamizar livros de cores variadas, de que os «verdes» ou os «brancos» são os mais conhecidos, para além de cadernos ou agendas onde compilam as melhores maneiras de mudar alguma coisa para ficar tudo na mesma.
Nas relações laborais volta a ser assim, e até vêm aos pares, com a apresentação primeiro de um «Livro Verde das Relações Laborais» e agora de uma «Agenda para o trabalho digno».
Não se trata aqui de fazer a avaliação destes documentos, que outros tratarão com maior mestria e absoluto rigor, antes sinalizar que cada uma das anteriores alterações à legislação laboral, que o grande capital reclamou e que governos do PS, PSD e CDS lhe ofereceram de mão beijada, e que nos foram vendidas como visando dinamizar o mercado de trabalho e o emprego, resultaram sempre no mesmo – mais facilidade em despedir, menos protecção dos trabalhadores, na relação que já é desequilibrada em favor do capital, agravamento da exploração e que, por isso, faz falta estar alerta.
Mas também dar conta da desfaçatez de quem apresenta propostas embrulhadas no papel das políticas de esquerda que depois se revelam ao serviço dos interesses do patronato.
Se há matérias que ficaram expostas nesta epidemia, uma das mais evidentes é o drama do trabalho clandestino, pago «por fora», ou, de forma mais fina, não declarado, com as consequências de sonegação de verbas para a Segurança Social, mas particularmente para cada um, numa situação de doença, de desemprego, de fragilidade, enfim.
Ora, o Governo comprometeu-se a combater esse flagelo e na dita Agenda lá vem o compromisso de combater o «trabalho totalmente não declarado».
Totalmente? Não me digas que o Governo, com esta conversa do trabalho digno, quer fazer entrar pela janela (a não declaração de uma parte do salário que é, até hoje, ilegal, poupando uns milhares ao patronato) aquilo que diz querer fazer sair pela porta?
Deve querer, uma vez que a própria ministra do Trabalho apresentou essa ideia, com todas as letras, como se de coisa boa se tratasse.
Revogar, totalmente, as normas gravosas do Código do Trabalho é que parece não ser com ela.