Fascistas

Jorge Cadima

A co­mu­ni­cação so­cial do ca­pital pro­move a ex­trema-di­reita

Há 100 anos, Itália foi palco de en­saio do fas­cismo, jo­gando na con­fusão para ca­na­lizar o des­con­ten­ta­mento so­cial. Mus­so­lini, apre­sen­tando-se como «anti-sis­tema», foi na re­a­li­dade pro­mo­vido, fi­nan­ciado e le­vado ao poder pelo grande ca­pital e la­ti­fun­diá­rios ita­li­anos, im­pondo a sua di­ta­dura de classe. Hoje, o grande ca­pital em crise gera novas con­fu­sões. A sua co­mu­ni­cação so­cial pro­move a ex­trema-di­reita, ao mesmo tempo que cria uma falsa amál­gama com o pro­testo so­cial. Com isso pro­cura si­mul­ta­ne­a­mente de­so­ri­entar a le­gí­tima re­sis­tência às suas ofen­sivas anti-so­ciais e ali­mentar a tropa de choque a quem re­cor­rerá, se a sua crise se tornar in­con­tro­lável.

O pri­meiro-mi­nistro ita­liano é Mario Draghi, ban­queiro da Goldman Sachs e pre­si­dente do Banco Cen­tral Eu­ropeu du­rante as troikas. No início deste ano, o pre­si­dente Mat­ta­rella abriu uma crise po­lí­tica e no­meou Draghi para «re­formar» o país. Entre as «re­formas» está o fim da Ali­talia (10 mil tra­ba­lha­dores) a partir de 15 de Ou­tubro. No mesmo dia, entra em vigor um passe sa­ni­tário (Green Pass) de con­tornos tão dra­co­ni­anos como o de Ma­cron. Quem não tiver passe é sus­penso do tra­balho sem re­mu­ne­ração. Como afirma a re­so­lução apro­vada pelos tra­ba­lha­dores do porto de Tri­este, que anun­ci­aram greve contra a le­gis­lação: «du­rante quase dois anos as­se­gu­rámos o pleno fun­ci­o­na­mento das ope­ra­ções por­tuá­rias sem que hou­vesse pre­o­cu­pa­ções pela nossa saúde e se­gu­rança face à COVID-19»; «o Green Pass não é uma me­dida sa­ni­tária, mas uma me­dida de dis­cri­mi­nação e de chan­tagem». Que visa di­vidir e co­locar na de­fen­siva os tra­ba­lha­dores – va­ci­nados ou não va­ci­nados – face à ofen­siva contra os seus di­reitos.

As me­didas de Draghi ge­raram forte con­tes­tação, com pro­testos e greves con­vo­cados pelos sin­di­catos COBAS. Mas as con­fe­de­ra­ções sin­di­cais li­gadas aos par­tidos do go­verno acei­taram-nas. A ten­ta­tiva de di­visão dos tra­ba­lha­dores ameaça surtir efeito. Ao mesmo tempo surge a pro­vo­cação fas­cista. No final duma grande con­cen­tração de pro­testo contra o Green Pass em Roma, a 9 de Ou­tubro, um des­file de fas­cistas (que es­ti­veram na con­cen­tração e a quem foi dado es­paço no palco) as­salta a sede da maior con­fe­de­ração sin­dical, a CGIL.

Draghi con­denou o ataque que a sua po­lícia não im­pediu. Usou-o para anun­ciar li­mi­ta­ções ao di­reito de ma­ni­fes­tação. Seria bom poder acre­ditar que Draghi age por sen­ti­mento an­ti­fas­cista e de­fende a li­ber­dade sin­dical. Mas o pas­sado su­gere outra coisa. A 2 de Maio de 2014, tra­ba­lha­dores de Odessa que pro­tes­tavam contra o golpe na Ucrânia, foram per­se­guidos até ao in­te­rior da Casa Sin­dical da­quela ci­dade, que foi de­pois in­cen­diada por fas­cistas – saídos da mesma sar­jeta que os seus con­gé­neres ita­li­anos. Foram cha­ci­nadas largas de­zenas de pes­soas, al­gumas à pau­lada após se ati­rarem das ja­nelas do edi­fício em chamas. Esse mas­sacre fas­cista numa sede sin­dical não sus­citou re­paros ao então pre­si­dente do BCE Draghi. A UE re­servou as suas crí­ticas e san­ções à Rússia e aos an­ti­fas­cistas ucra­ni­anos.

É ur­gente o com­bate sem tré­guas ao fas­cismo. Mas o fas­cismo ali­menta-se das po­lí­ticas dos troi­keiros da UE. Não se pode ceder à chan­tagem de aceitar o de­sastre so­cial e a li­mi­tação das li­ber­dades em nome do an­ti­fas­cismo. Fazê-lo apenas en­gor­daria o fas­cismo. Que seria de­pois usado para impor pela força o de­sastre so­cial e o fim das li­ber­dades. Há que dizer «não!» às troikas, che­guem ou não com a moca na mão.




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