Moçambique está a voltar à normalidade

Elias Muthemba é o primeiro Secretário do Círculo da FRELIMO em Lisboa. Em entrevista ao Avante!, falou do fim do conflito armado em Cabo Delgado e no muito que há a fazer para que a vida retome ali o seu curso normal. Perante os imensos desafios colocados ao desenvolvimento do seu país, denunciou a ingerência externa como um «dos maiores crimes» cometidos contra os povos.

«Não conheço um país que permitiu ingerência externa e não pagou o preço»

Qual a situação actual em Cabo Delgado?

Nos últimos tempos, Cabo Delgado tem estado calmo. Esta foi uma guerra provocada por países que não concordam com a nossa autodeterminação.

Moçambique é vasto, tem 3000 quilómetros de costa e 2800 quilómetros do Sul ao Norte, e os seus recursos minerais são economicamente mais exploráveis na zona de Cabo Delgado. As potências ocidentais e o grande capital quiseram impor como fazer as coisas. Evidentemente, Moçambique achou que as coisas deveriam ser feitas da maneira que mais convém ao país.

Contrariamente ao que é divulgado, Moçambique nunca recusou apoios externos. O que dizíamos é que o apoio teria de ser para os refugiados, com medicamentos, comida, cobertores e roupa. Quanto ao apoio militar, seria em material e serviços de informação e formação. Essas potências queriam intervir e estar no terreno, então deixaram a situação alastrar, até piorar. A mensagem que tentaram passar é, primeiro, de que nós não temos força suficiente para nos defendermos; e, segundo, eles é que devem estar lá, no terreno, a «defender» os nossos recursos.

Que medidas estão a ser tomadas pelo governo para responder à situação das populações de Cabo Delgado?

As medidas que estão a ser tomadas pelo governo, liderado pelo partido FRELIMO, são as seguintes: recolocar as pessoas; estabelecer as comunicações móveis com os distritos que estavam nas mãos dos insurgentes; reestabelecer a energia, porque foram destruídas centrais eléctricas; reabrir as vias de acesso que foram bloqueadas. Agora, é preciso que os deslocados e as pessoas que abandonaram Palma, Mocímboa da Praia e outros distritos, voltem. Neste momento, a tarefa é assegurar que eles voltem em segurança e consolidar o governo e os poderes locais, com o regresso dos administradores. Em suma, pretende-se consolidar o território e afastar os insurgentes para fora do país, para que o regresso das populações não seja provisório.

Para lá de Cabo Delgado, como está a situação no país?

Para além da guerra em Cabo Delgado, que já terminou, tivemos a junta militar da RENAMO a protagonizar ataques na zona Centro. Actualmente, estão acantonados. Nos últimos seis ou sete meses, nunca fizeram ataques.

Na zona Norte, a situação está estável.

Houve também criminosos e corruptos que endividaram o país. O julgamento está a decorrer e a justiça a actuar. Todos os réus e todos os acusados foram presos. Isso conforta o povo, porque mostra que afinal a política do governo é a de que todos são iguais perante a lei.

E quais são as perspectivas de desenvolvimento para Moçambique?

A prioridade é retomar os investimentos que estavam em curso. As multinacionais que estavam nas zonas de conflito saíram, o que nós percebemos mas também sabemos que é uma forma de chantagem, como quem diz: «se vocês não fazem como nós queremos, vamos embora daqui e isto fica sem efeito.»

Que desafios, ou mesmo entraves, existem a esse desenvolvimento?

O maior desafio que sempre houve para qualquer projecto de desenvolvimento, seja ele económico, social ou político, é a necessidade de paz e estabilidade. Temos de as garantir, para que aquilo que hoje se constrói não seja destruído amanhã. A educação é a base do desenvolvimento, mas muitas escolas foram destruídas. Vamos ter uma geração quase perdida em algumas zonas, porque as crianças não puderam ir à escola.

O nosso governo, neste momento, tem como prioridade estabilizar o país. Não pode haver nem um tiro naquele território. Só daí para a frente é que tudo pode ser construído e tudo se pode fazer.

É a ingerência externa um desses entraves?

Não é correcto que sejam potências neocolonialistas, como os EUA ou a França, por exemplo, a determinar o que nós temos de fazer. Isso cabe ao povo moçambicano. Esse é um grande desafio, o de resistir perante essas forças. Numa primeira fase, eles encantam e conquistam as pessoas, mas depois não saem e impõem os preços sobre os recursos que exploram. Não conheço nenhum país que tenha permitido a ingerência externa que, a longo prazo, não tenha pago um preço por isso.

A ingerência externa é um dos maiores crimes.

 



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