Fundo «Garantido» Automóvel
Há uma tendência preocupante na gestão e obtenção de dinheiros públicos, marcada pela opacidade e discricionariedade
No passado dia 19 de Julho a Presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) admitiu na Assembleia da República que o Fundo de Garantia Automóvel tem «excesso de financiamento», ou seja, tem mais receitas que despesas (coisa rara por estas bandas). O Fundo de Garantia Automóvel foi criado em 1979 e supostamente serve para compensar danos e as vítimas resultantes de acidentes automóveis, quando o causador do acidente ou não possui o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ou não se apresenta como culpado. Na prática deveria ser uma garantia de que em caso de acidente o principal lesado não fica sem nenhuma indemnização pelos danos causados.
Este Fundo é financiado por todos os detentores de contratos de «Seguro Automóvel», através de uma percentagem dos prémios. Aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2021 (estávamos em Novembro de 2020) já se sabia que o Fundo de Garantia Automóvel tinha registo de sucessivos superavits, ainda mais num ano em que o número de sinistros rodoviários baixou significativamente por causa dos confinamentos sucessivos. O PCP apresentou uma proposta para reduzir para metade as taxas cobradas para financiar o Fundo, devolvendo, assim, parte dos valores suportados aos tomadores de seguros automóveis, sem pôr em causa a sua sustentabilidade para o cumprimento das suas funções. PS, PSD, CDS, PAN, Chega e Iniciativa Liberal não estiveram de acordo com a proposta do PCP e por isso tudo ficou na mesma - contrastando com o discurso destes partidos, sempre disponíveis para criticar as taxas e as taxinhas. Aliás, até quando o PCP propôs que o sector segurador, que obteve lucros milionários no ano passado, pagasse uma contribuição extraordinária, os mesmos protagonistas inviabilizaram a proposta do. Pobres seguradoras que não aguentariam pagar 10% sobre os lucros milionários obtidos num ano em que mais de um milhão de trabalhadores tiveram 33% de corte nos salários e milhares perderam mesmo tudo. Não é de estranhar, quem rejeitou estas propostas do PCP também vivia bem com isso.
As afirmações da presidente da ASF, mais do que clarificar as razões do PCP, revelam uma tendência preocupante na gestão e obtenção de dinheiros públicos, marcada pela opacidade e discricionariedade, onde Fundos Públicos com missões claras atribuídas - que nem sempre cumprem - e com financiamento assegurado estão, como é exemplo o Fundo Ambiental, transformados em verdadeiros mealheiros onde o Governo vai buscar para tudo sem que se perceba bem para quê.
Uma realidade que torna ainda mais incompreensíveis situações como a da jovem Andreia, atropelada por um condutor que não possuía o seguro obrigatório e, perante a qual, deveria ser o Fundo de Garantia Automóvel a assumir as despesas de tratamentos e recuperação e a respectiva indemnização. Devia ser! O Fundo de Garantia Automóvel diz que não tem de intervir, tendo já o PCP questionado (em Fevereiro deste ano) o Ministro das Finanças e a ASF, responsáveis pelo Fundo, sobre para que serve afinal este Fundo. Não houve resposta até agora. Casos semelhantes têm acontecido nos últimos anos sem que ninguém assuma as responsabilidades. Ficam os custos para a Segurança Social, para o SNS e para as vítimas.
A ASF prometeu um estudo para entregar ao Governo sobre a possibilidade de reduzir o valor do financiamento ao Fundo de Garantia Automóvel e sobre os efeitos da pandemia nas contas das seguradoras (não será difícil antever os resultados). Os estudos vêm tarde. Tarde virá, se vier, o apoio devido à Andreia.