Evocação de Fernando Lopes-Graça

Modesto Navarro

«O assombro e a grandeza da vida e da obra de Fernando Lopes-Graça aí continuam»

A Associação Fernando Lopes-Graça foi constituída para defender e projectar a vida e a obra deste cidadão exemplar, de lutador pela liberdade e pela democracia, que foi perseguido e preso diversas vezes pelo regime fascista de Salazar.

Nos últimos anos, esta Associação realizou iniciativas em Lisboa, Évora, Tomar, Beja, Setúbal, Loures, Cascais e Alpiarça, com a participação dos Municípios, do Coro Lopes Graça da Academia de Amadores de Música, de escolas, grupos de música, universidades e outras instituições. Completou-se a edição dos Cadernos de Música Regional e das Cantatas de Natal e difundiram-se estas suas obras e as Canções Heróicas.

Este ano a associação Fernando Lopes-Graça esteve em Alpiarça, com o Município e a população, a evocar e a homenagear esse homem de Tomar e do mundo das artes, das letras, da luta incessante por um país digno e livre, des-cerrando uma placa evocativa do período de residência fixa que lhe foi imposto pelo fascismo em 1932, nesta localidade..

Fernando Lopes-Graça nunca se rendeu, como cidadão, como músico, desde logo como director do jornal “Acção”, de Tomar, no início da sua vida de combatente; na luta contra a proibição de ensinar; na criação do Coro da Academia de Amadores de Música que se fez ouvir, na homenagem em Alpiarça, nas Canções Heróicas que ergueu com outros intelectuais criadores e resistentes.

O maestro Fernando Lopes-Graça nasceu em Tomar, em 1906. Fez o curso no Conservatório Nacional de Lisboa, de 1924 a 1931. Neste ano concorreu a uma vaga de professor de piano, que ganhou por voto de unanimidade do júri. Mas o fascismo não o deixou ocupar esse lugar.

Foi preso pela atitude de combate àquele acto e pela sua actividade política, e, em Janeiro de 1932, foi-lhe fixada residência em Alpiarça.

Em 1949, na campanha de candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República, Fernando Lopes-Graça iria participar numa sessão em Alpiarça, da oposição a Salazar e a Carmona, mas essa sessão foi proibida pelo regime fascista.

Do discurso que Lopes-Graça preparou para esta sessão, registam-se as sugestivas palavras que lembram as forças de resistência da amizade que sempre o moveram.

«Eu começava a minha vida e a minha carreira “oficiais” e, já se deixa ver, a brincadeira não foi para mim agradável. Para aqui vim, de contra vontade, mas devo confessar que, se ainda hoje me lembro, como é natural, das desagradáveis circunstâncias que aqui me trouxeram, me lembro muito mais, com gosto e reconhecimento, das atenções que nesta terra me dispensaram (…). E a tudo isto se acrescentava a satisfação de verificar que me encontrava entre gente de firmes sentimentos republicanos, sentimentos que, por sua honra e meu muito comprazimento, sei que ainda hoje conserva.»

Foi em consequência das lutas clandestinas e mais resistência que em 25 de Abril de 1974 principiou a Revolução dos militares do MFA e do povo português que pôs fim à ditadura fascista e conquistou a liberdade e outros direitos fundamentais.

O assombro e a grandeza da vida e da obra de Fernando Lopes-Graça aí continuam. O esquecimento que sobre ele querem lançar vem de um regime que o perseguiu e prendeu desde a década de 1920/30 do século passado, mas nunca vingará. Ao povo que ele honrou sempre, que ajudou a erguer da pobreza e da ditadura sombria, podem tentar retirar a sua música e a sua obra, que pouco ou nada preenche a programação de rádios e televisões. Mas haverá sempre mais um passo, mais uma iniciativa e outras actividades de resistência e de cultura, a trazer ao nosso quotidiano a sua música e as suas canções heróicas, como aconteceu em Alpiarça, na Casa dos Patudos. Militantes da cultura como José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, Joaquim Namorado, Arquimedes da Silva Santos, João José Cachofel e outros companheiros construíram com Fernando Lopes-Graça essas canções heróicas que ajudaram a fazer a Revolução de 25 de Abril e a conquistar a liberdade num país que morria na guerra colonial e desaparecia na emigração para a Europa.

Fernando Lopes-Graça sofreu prisões no Aljube e em Caxias; teve um lugar de trabalho que ganhou por concurso e que não pôde ocupar; teve proibições e retirada de uma bolsa e até do diploma de professor do ensino particular; a sua vida foi de resistência ao fascismo e contra o empobrecimento do País também na música; a sua luta foi levada a cabo pela criação indómita e transfiguradora, ao longo de décadas, obra ainda hoje pouco conhecida e tão desafiadora de novos horizontes de formação e afirmação humanas.




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