A candidatura de Ruy Luís Gomes à Presidência da República
O início da década de 50 foi um dos períodos mais tenebrosos da ditadura
A morte do General Carmona obrigou o regime a organizar eleições presidenciais, dois anos apenas depois de 1949, quando a Oposição Democrática apresenta a candidatura do General Norton de Matos. Apesar da ilegalização do MUD, o espírito de unidade antifascista, sequente ao final da II Guerra Mundial, estava ainda bem vivo. A campanha de Norton de Matos organizou por todo o País enormes comícios, mas logo a seguir gerou-se um período de refluxo na actividade política. Com o MUD ilegalizado, o MUD Juvenil perseguido, as fracturas na oposição democrática ficaram cada vez mais expostas.
No início da década de 50, viveu-se um dos períodos mais tenebrosos da ditadura. A repressão conheceu então um dos seus picos mais brutais, com prisões em massa, de trabalhadores em luta, de destacados oposicionistas e de dirigentes do PCP, como Álvaro Cunhal e Manuel Rodrigues da Silva, a prisão e morte de Militão Ribeiro, o assassínio de José Moreira e Alfredo Lima, a morte de Soeiro Pereira Gomes. Centenas de pessoas tinham sido impedidas de exercer funções públicas, dezenas de professores universitários demitidos.
As divisões no campo democrático eram cada vez mais patentes, com os republicanos e socialistas a demarcarem-se dos comunistas e outros sectores de esquerda . A Guerra Fria seguia o seu curso. O anticomunismo subia de tom no discurso oficial. Ocorreu então um facto que teve enormes repercussões políticas: Portugal foi convidado para integrar o grupo de 12 países fundadores da NATO, aliança formada para «promover os valores democráticos».
De um só golpe, o regime reforçou a sua autoridade e ganhou credibilidade externa, passando a integrar o chamado mundo livre. O mesmo ditador que ostentava uma foto de Mussolini na secretária de trabalho e decretara três dias de luto oficial pela morte de Hitler, recebeu em Lisboa o General Eisenhower, com largos sorrisos e efusivos cumprimentos.
Coragem e audácia
Num tempo marcado pelo atentismo, quando ganhava terreno as ilusões de uma transição pacífica da ditadura para a democracia, era essencial a iniciativa política. Teve por isso grande repercussão uma reunião na Voz do Operário, ainda em 1949, presidida pelo Prof. Mário Azevedo Gomes, das comissões de Apoio a Norton de Matos que não aceitaram a ordem de dissolução dada pelo General. Acto de grande coragem e audácia, daria origem à criação do Movimento Nacional Democrático (MND). Um dos elementos programáticos inovadores foi o de associar a luta pela paz ao combate ao fascismo, de associar a luta pela liberdade à independência nacional.
Entre os dirigentes contavam-se Ruy Luís Gomes (um dos fundadores do MUD), José Morgado, Maria Lamas, Lobão Vital, Areosa Feio, Virgínia Moura. Em Dezembro, toda a Comissão Central do MND foi presa pela PIDE. Mais tarde, no regresso do julgamento, que decretou a libertação por força de uma amnistia, formou-se um cortejo a partir da estação de S. Bento. Ao subir a Avenida dos Aliados, Ruy Luís Gomes, Lobão Vital, Virgínia Moura, Hernâni Silva e outros, que iam à frente, foram violentamente agredidos pela Polícia, tendo de receber tratamento hospitalar.
Foi do MND que nasceu a candidatura à Presidência da República, em 1951, de Ruy Luís Gomes. O candidato do regime foi o General Craveiro Lopes. Outra candidatura oposicionista, do Almirante Quintão Meireles, se apresentou. Com largo apoio entre os oficiais que fizeram o 28 de Maio mas se afastaram, teve pouca expressão pública e viria a desistir antes da votação.
A candidatura de Ruy Luís Gomes foi rejeitada pelo Conselho de Estado. Antes da proibição, mostrou grande capacidade mobilizadora, tendo organizado comícios em Almada, Santarém, Alpiarça, Torres Novas e Alcanena. Mas foi no comício Cine-Teatro Vitória, em Rio Tinto, em Julho de 1951, que ocorreu um dos momentos mais dramáticos: com o recinto a transbordar de uma multidão entusiástica, a polícia efectuou uma carga violenta – Ruy Luís Gomes, Lobão Vital e José Morgado foram agredidos e tiveram de receber assistência hospitalar.
Nestes sombrios anos 50, como ao longo dos 48 anos da Resistência, o PCP esteve sempre activo, não perdeu a iniciativa política, soube apontar caminhos, deu exemplo de coragem e determinação, no que foi acompanhado por muitos outros democratas que nunca cederam à pressão desagregadora e estigmatizadora do anticomunismo.