Corridas que (lhes) interessam
É conhecido o fervor com que os órgãos de comunicação social dominantes transformam, na cobertura mediática que fazem, quaisquer eleições em algo mais próximo de uma prova desportiva em que o único motivo de interesse é saber quem cruzou primeiro a meta. Nas eleições autárquicas isto traduz-se invariavelmente na atenção quase exclusiva a meia dúzia de municípios que os decisores das agendas mediáticas ditam ser as corridas a acompanhar, polarizadas entre duas forças concorrentes – e quando a realidade não confirma os seus desejos, vão usando os seus instrumentos para a moldar à medida das suas necessidades.
Neste ano de 2021 os exemplos já aí estão. Basta recordar a pompa mediática de que se revestiu o anúncio da candidatura do PSD/CDS à Câmara Municipal de Lisboa e das múltiplas entrevistas que se seguiram a Carlos Moedas (por exemplo, é o único que já teve presença nas três estações de televisão, incluindo em canal generalista). Num quadro em que, em 2017, o PSD, partido de Moedas, elegeu o mesmo número de vereadores que a CDU e em que o resultado do CDS (muito longe de disputar a presidência da autarquia) sofreu uma inflacção extrema que dificilmente se repetirá, só mesmo a vontade de levar aquela candidatura a um lugar que não ocupa explica a generosidade de tempo de antena.
Também no vizinho concelho da Amadora a candidatura dos mesmos partidos foi levada ao colo. Depois de lhe terem valido lugares cativos na TVI, as afirmações grotescas de Suzana Garcia dão-lhe agora direito a uma atenção mediática pouco vista. Depois da distinção rara de ter peças sobre a apresentação da sua candidatura nos principais noticiários do dia (mesmo com a ausência de Rui Rio), teve a honra adicional (e esta inédita em muitos anos, com excepção para Lisboa e Porto) de ter uma entrevista no próprio dia da apresentação da candidatura na SIC Notícias.
Por fim, junte-se o exemplo de Oeiras, em que a candidatura de três partidos que nunca tiveram vereadores eleitos vai à frente no que a atenção mediática diz respeito. Depois do destaque dado ao anúncio da candidatura já se seguiu uma longa entrevista ao Diário de Notícias – que nem o nome do candidato da CDU anunciou. A febre pela polarização artificial é de tal monta que ainda na última semana a SIC, numa peça sobre Oeiras, conseguiu fazer referência às várias candidaturas com excepção da CDU, apesar de ter vereadora eleita e uma expressão eleitoral em 2017 idêntica à da coligação PSD/CDS.
Nos próximos meses as tentativas de intensificar a promoção desta ou daquela candidatura, de construir bipolarizações artificiais e de centrar as eleições autárquicas na disputa da presidência desta ou daquela câmara – porque é lá candidata uma figura boçal, um eventual proto-candidato a outro lugar ou um ex qualquer coisa – prosseguirá. Mas as eleições autárquicas são o momento de eleger milhares de vereadores, eleitos em assembleias municipais e de freguesia por todo o País. A uma comunicação social digna do seu papel, a começar pelos meios públicos, não cabe decidir quais são os candidatos ou os concelhos que interessam, é seu dever informar, sem exclusões e tratamentos discriminatórios.