Percursos truncados

Correia da Fonseca

Já em pleno serão do passado domingo, a RTP trouxe ao seu primeiro canal um programa, «Começar de novo», em que partilhava connosco a memória de dois caminhos de resistência, de combate, apesar das dificuldades e riscos que barravam o percurso a prosseguir: os caminhos do sírio Ahmad Sido e da portuguesa Teresa Tito de Morais. É claro que estes dois casos não foram mais que exemplificantes, o que aliás é muito: situações semelhantes ocorreram muito mais vezes no quadro e na sequência do espírito da resistência às medidas de repressão havidas, mas é claro que essa obstinação no combate pelo que é justo e necessário é um título de honra, e bem sabemos que no caso português a ele têm justo acesso os comunistas que viveram os anos do fascismo. Deixemos por ora a situação pretérita ou actual da Síria, ainda que não nos desinteressemos de nenhuma luta que ocorra em qualquer lugar do mundo, e fixemo-nos no caso português, evidentemente mais nosso, tanto e de tal modo que não podemos considerar que esteja encerrado ou em vias de encerramento. Porque, como sempre nos recorda a palavra de ordem, «a luta continua».


Pelos dedos de uma só mão

Bem sabemos que a televisão portuguesa, quer nos seus canais públicos quer nos canais privados, não abunda na memória dos anos do fascismo e dos crimes de diversa ordem e dimensão por ele praticados e, aparentemente, muito depressa esquecidos se não tacitamente perdoados. Esta distância em relação a décadas da vida portuguesa em que a repressão esperava em cada esquina a menor veleidade de resistência ou apenas de apetência por liberdade e justiça é uma espécie de permanente pecado mortal da TV lusa, e não apenas da estatal: toda a televisão que diariamente nos é servida ao domicílio é uma criaturinha sem memória política ou sequer cívica, e há quem lhe note o défice e o interprete como uma espécie de tímida cumplicidade com um passado incómodo porque infame. Contam-se pelos dedos, talvez pelos de uma só mão, os programas em que se narrem, ainda que sem o sublinhado de uma indignação expressa, as proezas infames da repressão fascista, e em verdade é mais que tempo de iniciá-la, «de novo ou não». É óbvio que essa escassíssima dose de memória é uma espécie de perdão prático, se não de cumplicidade, com o crime continuado que foi a ditadura. Seria agora, sem dúvida, uma boa altura para o empreender. Ou, aproveitando o título do programa, «começar de novo» o que em verdade nunca foi iniciado.




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