Teletrabalho é garantia de direitos e melhores condições de vida?
O desenvolvimento científico e tecnológico deve servir os trabalhadores
Lusa
O desenvolvimento científico e tecnológico deve servir os trabalhadores, mas no quadro da sua apropriação pelo capital tem sido colocado ao serviço do agravamento da exploração e do ataque aos direitos dos trabalhadores. O teletrabalho é exemplo disso. Apresentado como uma nova forma de trabalho, nada de novo tem, já que é regulado pelo Código do Trabalho desde 2003. No entanto, a prestação de trabalho em regime de teletrabalho constituiu recentemente a mudança mais importante no domínio da organização do trabalho.
O teletrabalho não deve constituir um problema, se aproveitado para o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida e de trabalho. Mas a realidade é outra. Como já se tem vindo a demonstrar, tem dado maior centralidade ao confronto entre trabalho e capital.
O Governo do PS encontrou no teletrabalho uma modalidade que, não sendo nova, dá a aparência de modernidade na era da revolução tecnológica e promove ilusões sobre as suas vantagens para os trabalhadores, omitindo as consequências negativas.
A generalização do teletrabalho tem sido aproveitado pelo grande capital para fragilizar e reduzir direitos, tendo já várias grandes empresas anunciado que pretendem tornar definitivo o que era transitório e temporário, impondo o teletrabalho de forma permanente, poupando em instalações e consumos e fazendo caminho para acabar com componentes da remuneração, como o subsídio de refeição.
Mitos e realidades
É falsa a ideia de que o teletrabalho dá aos trabalhadores flexibilidade e liberdade na gestão dos horários. Na realidade, intensifica a pressão para alargamento de horários, ritmos de trabalho, disponibilidade permanente, com a dificuldade acrescida de definir, controlar e fiscalizar os tempos de trabalho.
Diz-se também que contribui para uma maior conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar. Mais uma falsidade! É evidente a total ausência desta conciliação, transformando-se a casa do trabalhador – espaço privado, de lazer, descanso e da família – num local de trabalho, com a inerente falta de tempo para o acompanhamento adequado aos filhos motivado pelas exigências e pressões patronais. Esbateu-se a fronteira entre o trabalho e a vida familiar, com maior impacto para as mulheres trabalhadoras.
Aumentam os custos, nomeadamente com comunicações, água, electricidade, consumíveis e material de escritório; a utilização de ferramentas altamente intrusivas que rastreiam a utilização do teclado, os movimentos do rato ou a localização física dos trabalhadores, que mais não servem senão para intensificar a repressão sobre os mesmos. A separação física e maior isolamento nega a possibilidade de partilha de experiências e conhecimentos, que fragiliza a construção de laços de sociabilização e de afirmação de espaços de solidariedade colectiva, com impactos negativos no esclarecimento, unidade, organização e luta.
Tudo isto tem impactos profundamente negativos para a saúde, potenciando o esgotamento, a depressão e o sentimento de exclusão.
O que se impõe
É necessário fixar um valor de ajudas de custo para compensar o trabalhador pelos gastos acrescidos com o teletrabalho; garantir que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação e demais equipamento (sua instalação, acomodação e manutenção) são da responsabilidade da entidade patronal; garantir que o trabalhador em teletrabalho mantém o seu posto de trabalho na empresa com a possibilidade de, a qualquer momento, poder regressar ao mesmo, assegurando a preservação de uma lógica temporária e transitória do teletrabalho.
É ainda necessário garantir que o trabalhador tem o poder de rejeitar o teletrabalho, quando considere que não estão reunidas as condições para que preste a sua actividade com dignidade, privacidade e respeito pelas condições de segurança e saúde, pois o acordo não é nem nunca foi suficiente para regular a relação de teletrabalho. Sabemos bem que na relação entre trabalho e capital há uma parte mais fraca e uma outra mais forte.
Não é o teletrabalho que resolverá um conjunto de problemas laborais sentidos todos os dias – a exploração, a precariedade, os baixos salários, os intensos ritmos de trabalho, as pressões, a desregulação de horários, as longas jornadas de trabalho. Pelo contrário, tem contribuído para o seu aprofundamento.
É fundamental continuar e intensificar a luta, afirmando que os trabalhadores em teletrabalho têm obrigatoriamente de ter os mesmos direitos e garantias que os restantes, e rejeitar a ideia de que a casa do trabalhador seja um posto de trabalho, local de trabalho ou «extensão» da empresa, e a generalização do teletrabalho como uma panaceia para todos os males.