Ser Alentejo
Foi num programa não especialmente relevante sobre o Alentejo, zona do país pouco mimada e mesmo pouco abordada pela televisão portuguesa: o tema eram Odemira e o seu concelho, e a dada altura foi referida com algum vagar a existência no concelho de Odemira de imigrantes provenientes de lugares mais distantes. Terá sido um pouco surpreendente para muitos telespectadores: o Alentejo é mais conhecido como origem de fluxos migratórios do que como seu destino. Porém, porventura o mais preocupante e talvez também o mais surpreendente foi que, segundo o programa, a existência de imigrantes no interior do concelho de Odemira estará a dar origem a reflexos negativos já próximos da discriminação xenófoba. De tão inesperada para o cidadão distante de Odemira e da sua realidade, a informação custa a crer, digamos assim, mas talvez devamos acreditar nela: o quotidiano está cheio de revelações surpreendentes, não custará muito instalar mais esta na arrecadação das nossas aprendizagens. Ainda que com algum contrapeso da dúvida sempre conveniente em certos casos.
Uma antiga história
De qualquer modo, pode não ser pura perda de tempo alguma reflexão acerca da efectiva ou suposta atitude de alguma xenofobia alentejana perante migrantes vindos de longe, designadamente da Índia, Paquistão e suas cercanias. É sabido que a generalidade dos migrantes, e não apenas no Alentejo, tende a aceitar condições de trabalho e de remuneração especialmente pouco exigentes, e por essa via a constituir-se como concorrente tendencialmente danoso para os interesses e mesmo para os direitos dos trabalhadores locais: é assim por todo o lado, não se imagina que devesse ser diferente no Alentejo com a sua antiga e dramática história de flagelação sofrida que inclui, como não poderia deixar de ser, a sobrexploração da mão-de-obra local por poderes frequentemente distantes mas sempre ávidos. Neste quadro, não espanta a existência de uma minoria dominante e de uma maioria dominada e explorada: em verdade é esse o perfil comum da generalidade dos sectores produtivos na actual situação histórica, como aliás bem se sabe, e o Alentejo não tem muito por onde ser diferente. Note-se e acentue-se, porém, que resiste. Mais: que resistir é a sua vocação. Por ela, por essa sua vocação, apetece dizer que a efectiva ou suposta tentação xenófoba em Odemira que a reportagem da RTP terá detectado pode ser efeito de uma longa história de discriminações e agressões sofridas. Porque Odemira é Alentejo. Com tudo o que essa condição implica.