PCP avança com propostas concretas de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira

O PCP quer ver instituído o crime de enriquecimento injustificado e proibido o recurso pelo Estado à arbitragem. Os comunistas, que em 2007 foram os primeiros a avançar com propostas nesta matéria, voltam assim a dar um relevante contributo para a prevenção e combate à corrupção.

As propostas do PCP são um contributo sério para a prevenção da corrupção

Lusa

Inscritas em dois projectos de lei, entregues faz hoje uma semana, 15, na AR, as medidas preconizadas pelo PCP foram dadas a conhecer nesse mesmo dia em conferência de imprensa pelos deputados João Oliveira e António Filipe, respectivamente, presidente e um dos vive-presidentes da bancada comunista.

Num e noutro diploma, e sem prejuízo da consideração de outras iniciativas que venham a revelar-se necessárias, as propostas incidem sobre aspectos relativamente aos quais, na óptica dos comunistas, se impõe uma alteração legislativa.

No caso da criação do crime de enriquecimento injustificado, trata-se de criar um dever geral de declaração às Finanças por parte de quem disponha de património e rendimentos mensais de valor superior a 400 salários mínimos nacionais mensais. Posteriormente, sempre que esse património registe um acréscimo superior a 100 salários mínimos, há o dever de declaração que justifique a origem lícita desse acréscimo.

Esta solução, segundo o líder parlamentar do PCP, é de «grande importância para a prevenção e detecção de crimes de corrupção, não sendo violadora de princípios e normas constitucionais, designadamente por inversão do ónus da prova» (ver caixa).

Já quanto ao diploma que proíbe o recurso pelo Estado à arbitragem em matéria administrativa e fiscal, o objectivo visado, explicou ainda João Oliveira, é pôr fim ao «regime de privilégio que é concedido aos grandes devedores de impostos ou às concessionárias dos contratos de PPP, que vêem os seus litígios com o Estado arredados do escrutínio pelos tribunais e remetidos para a arbitragem, com evidentes e significativos prejuízos para o interesse público e para o tratamento em condições de igualdade».

António Filipe, que deu vários exemplos de como assim é (ver caixa), lembrou, a este propósito, recorrendo à linguagem futebolística, que a experiência mostra que quando o Estado recorre à arbitragem para dirimir processos resultantes da contratação pública, «o campo está sempre inclinado e o Estado, invariavelmente, perde esses processos».

Somatório de escândalos

A apresentação destas propostas incide sobre questões que não são novas para o PCP - há muito que se bate por elas, como atesta a batalha contra o enriquecimento injustificado, que teve um primeiro diploma seu sobre a matéria há 14 anos -, mas ganha uma relevância ainda maior no momento em que ocorrem desenvolvimentos em torno do processo judicial conhecido como Operação Marquês, que «geraram na sociedade portuguesa compreensíveis expressões de preocupação e indignação».

Situação, como observou João Oliveira, que não pode ser desligada da sucessão de casos que ao longo de décadas têm alimentado um sentimento de impunidade de práticas de corrupção, tráfico de influências e de criminalidade económica-financeira».

Escândalos envolvendo a banca e o sector financeiro como os do BPN, BPP e BES/GES, mas também, foi lembrado, os negócios milionários feitos em nome do Estado mas sempre em prejuízo do erário e interesse públicos, ou a utilização e apropriação indevida de fundos públicos e europeus por grandes grupos económicos.

Sucessão de factos condenáveis com a particularidade de não terem «correspondência na responsabilização criminal dos seus protagonistas», lamentou João Oliveira, constatando que a isso se soma com frequência o «arrastar dos processos judiciais», factor gerador de um «sentimento de que a justiça é forte e impediosa com os fracos mas simultaneamente fraca e ineficaz com os ricos e poderosos».

Defender o regime democrático

Indissociável de todo este quadro não pode deixar de estar, por outro lado, a magna questão da subordinação do poder económico ao poder político e a necessidade de «uma firme actuação do poder político» na prossecução do interesse público em todas as áreas da vida nacional, em particular no que toca aos «sectores estratégicos e direitos universais».

E por isso a concretização efectiva desse comando constitucional que determina a subordinação do poder económico ao poder político é tão decisiva e, nessa medida, tem de estar na «primeira linha de prioridades», sublinhou João Oliveira, depois de recordar que o combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira é um combate em defesa do regime democrático e do aprofundar da democracia, conquistados com o 25 de Abril, tal como este representou o derrube de um «regime em que a corrupção era política de Estado», com a «absoluta fusão entre o poder político fascista e os grandes interesses económicos e financeiros».

Outra ideia forte deixada pelo presidente da bancada comunista foi a de que o combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira, para ser efectivo e eficaz, reclama a «criação de condições», quer por via da «actualização dos meios legais», quer da «alocação dos meios necessários».

Por último, depois de deixar clara a recusa do PCP em acompanhar os que querem aproveitar a realidade actual como pretexto para «ressuscitar propostas de condicionamernto da autonomia do MP e da independência do poder judicial», João Oliveira, voltando ao fundo da questão – e este é o sentido dos diplomas comunistas -, considerou que o fundamental é que haja vontade política para avançar com as medidas que estão há muito identificadas e que, como a experiência já demonstrou, são «imprescindíveis para um salto qualitativo no combate à corrupção e à criminalidade económica-financeira»

 

Em defesa da transparência

A solução proposta pelo PCP para o enriquecimento injustificado - diversamente do que fez a dada altura o PSD, ao enveredar pela criminalização, mas de uma forma que invertendo o ónus da prova esbarrou no Tribunal Constitucional (TC) –, é muito simples e cinge-se ao dever geral de declaração à Autoridade Tributária de quem tenha património acima de um determinado valor (400 salários mínimos nacionais mensais, isto é 226.000 euros)).

Como salientou António Filipe, não há aqui nenhuma inversão do ónus da prova: «o que é criminalizado é a ausência dessa declaração e da sua justificação», explicou. Ou seja, «havendo um acréscimo patrimonial que não é suposto», trata-se do «dever» não apenas de fazer essa declaração mas de justificar tal acréscimo.

«O bem jurídico que aqui é tutelado é a transparência na obtenção de rendimento», pelo que a «criminalização está na violação do dever correspondente a esse princípio», esclareceu o deputado do PCP, sublinhando que «havendo de facto um aumento patrimonial que é à partida insólito, não se trata de presumir que ele seja ilícito mas de pedir que haja uma justificação da sua origem lícita».

Assim, «nenhum dos problemas colocados pelo TC é objectável a esta proposta do PCP», que, aliás, é próxima de uma solução publicamente defendida há uns anos pelo advogado Manuel Magalhães e Silva, que apresentava este «caminho como blindado quanto à sua constitucionalidade», informou António Filipe.

Importa dizer que relativamente aos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, a proposta do PCP prevê que aquele dever de declaração seja inscrito também na legislação respectiva (lei relativa aos crimes de responsabilidade), com uma criminalização mais agravada.

 

Haja decência

Quanto ao projecto de lei que proíbe o recurso pelo Estado à arbitragem, na sua base está a consideração da experiência dos últimos anos, com a aceitação da arbitragem de litígios decorrentes de contratos públicos dos quais resultam sistemáticos prejuízos para o erário público.

Dado foi o exemplo do navio Atlântida, construído nos Estaleiros de Viana do Castelo. Depois de não ter sido aceite pelo comprador, houve recurso à arbitragem e os Estaleiros, nessa altura públicos, foram condenados a pagar uma indemnização de 40 milhões de euros e a ficar com o navio, porque este «não era vendável». «Assim que os Estaleiros foram privatizados, o navio foi vendido a bom preço», deplorou António Filipe.

Mas este não foi caso único. O deputado comunista lembrou que em 2018 o Estado já comprovadamente tinha perdido mais de 500 milhões de euros em processos de arbitragem devido às PPP rodoviárias. Aliás, ainda na antevéspera da apresentação dos diplomas do PCP, contou, tinha-se ficado a saber que os CTT iriam iniciar um processo de arbitragem com o Estado para serem indemnizados, imagine-se…, «por danos sofridos devido à pandemia». Ou seja, «os CTT que têm prestado um serviço unanimemente reconhecido como calamitoso, pretendem recorrer à arbitragem para serem indemnizados pelo mau serviço que prestam», verberou com ironia António Filipe.

Daí ter concluído que não é admissível, perante um litígio desta natureza, que o Estado em vez de o dirimir nos tribunais – é para isso que eles existem –, aceite recorrer à arbitragem. Situação ainda mais escandalosa quando se trata de recorrer à arbitragem em litígios fiscais, algo que só está ao alcance dos grandes devedores.

«Se um qualquer cidadão comum se esquecer de pagar o IUC e o pagar no dia seguinte, já é penalizado por isso; se alguém se esquecer de pagar a prestação do IMI, sabe o que lhe acontece e não tem meios de se defender. Mas se for um grupo económico que estiver a dever milhões ao fisco, recorre à arbitragem, e a coisa ajusta-se e fica por metade», exemplificou, frisando que «isto não é aceitável».

O que o PCP propõe, pois, é que «haja decência nesta matéria».

 



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