Lê o que escrevo e não ligues ao que eu faço
É desadequado transpor de forma dogmática conceitos de estratégia à gestão
Na estratégia, decisiva é a aplicação.
Napoleão
A propósito dos tempos que vivemos, temos assistido recorrentemente a apelos para o reforço do papel das Forças Armadas em múltiplos domínios. Tais apelos vêm acompanhados de rasgados elogios às competências, aos saberes, às capacidades. Alguns, procurando alguma erudição, vão beber aos manuais dos conceitos recitados. Encaixa-se neste último caso, um recente artigo de Ana Miguel Santos (DN 6/2/21), deputada do PSD e sua coordenadora na Comissão de Defesa, no qual começa por dissertar sobre estratégia e Clausewitz. Ora, o facto de um escrito (ou um palavreado) soar bem, não significa que o seu conteúdo, se devidamente reflectido, acrescente muito. Já Saramago no seu Ensaio sobre a cegueira alertava para essa necessidade se podes olhar vê. Se podes ver, repara. Nos tempos que correm isto ganha maior acuidade.
Dito isto, não haverá, por certo, nenhum português que não deseje sucesso ao Vice-Almirante Gouveia e Melo, sucesso esse que só pode ser atingido se todos os envolvidos nesse processo de vacinação tiverem sucesso na esfera de competências e funções de cada um. Será esse sucesso colectivo que se transformará no sucesso colectivo da população portuguesa na travagem da COVID.
Mas voltando ao referido texto da deputada do PSD, parece-nos desadequado pretender de forma dogmática transpor conceitos de estratégia à gestão e deixar transparecer tal «receita» como intemporal, independentemente das circunstâncias e contextos. Tal como nos parece inadequada, por muito antipática que esta afirmação possa parecer, qualquer ideia de que para um qualquer problema, um militar será a solução. Desde logo porque, como em todos os sectores da sociedade, há militares competentes e outros que nem tanto. E não podemos, nem devemos, fugir a dizer, que sucessivas opções do Governo, o sentido que transmitem é que para resolver problemas há os militares (veja-se o caso da Protecção Civil, do SEF e agora da Vacinação). E se é certo que, neste caso, o Almirante já integrava a equipa e há um sentido lógico, já o mesmo não se pode dizer dos restantes casos.
Voltando ao supra referido artigo, não se pode deixar de referir esta velha arte do PSD (mas também do CDS e de alguns responsáveis do PS) de dar «lustro» aos militares em artigos, ao mesmo tempo que quando no Governo executaram uma política contrária aos seus interesses e debilitando as capacidades nacionais, coisa que aliás, continuam a fazer nas opções que têm vindo adoptar na Assembleia da República. Poder-se-á aplicar a máxima «lê o que escrevo e não ligues ao que eu faço» e que tem a sua adaptação a uma outra que diz que há militares que são muito activos na reforma e muito inactivos quando no activo. Parecendo que não, convergem, porque é a inactividade de uns que facilita a quantidade e a qualidade de maldades dos outros. E clarifique-se, prevenindo, que não se questiona a subordinação ao poder político, mas não confundimos isso com submissão.
Temos portanto palavras que se repetem, práticas que se mantêm e protagonistas que mudam.