Grupo de Campolide/Companhia de Teatro de Almada

50 Anos a erguer palavras justas nas tábuas de um palco

Domingos Lobo

Raras são as com­pa­nhias, dos de­no­mi­nados grupos in­de­pen­dentes, sur­gidos em fi­nais dos anos 1960, início de 1970, que ainda se en­con­tram em ac­ti­vi­dade. Desses, que agi­taram, re­no­vando pro­cessos, re­per­tório e abor­da­gens es­té­ticas, con­ce­bendo outra forma de fazer Te­atro, restam A Bar­raca, de Maria do Céu Guerra e Hélder Costa, o Grupo de Te­atro A Co­muna, de João Mota, e o Te­atro Ex­pe­ri­mental de Cas­cais, de Carlos Avilez.

Corria o ano de 1971 quando co­nheci Jo­a­quim Be­nite numa reu­nião da As­so­ci­ação Por­tu­guesa do Te­atro de Ama­dores a qual, por esses dias, graças ao es­forço do Te­atro In­de­pen­dente de Loures, se en­con­trava em pleno fun­ci­o­na­mento en­quanto pólo agre­gador, e re­sis­tente, do te­atro que os grupos ama­dores de­sen­vol­viam.

Tinha re­gres­sado há pouco das matas an­go­lanas, da ex­pe­ri­ência do­lo­rosa de ver «matar e morrer», e de uma pas­sagem pelo jornal ABC – Diário de An­gola e pelo Te­atro Ex­pe­ri­mental de Lu­anda, indo viver para Paço de Arcos. Aícriei, com um grupo de amigos, o Grupo de Acção Te­a­tral de Oeiras, no qual co­mecei por en­cenar a An­tí­gona, de Jean Anouilh. O Be­nite, com a pa­ci­ência de um mestre e a cum­pli­ci­dade que nos unia no mesmo com­bate, ajudou-me na ta­refa de er­guer o texto do Anouilh e de lhe dar a lei­tura, in­ter­ven­tiva, que pre­tendia.

Nesse mesmo ano, no es­paço exíguo de uma co­lec­ti­vi­dade de bairro, a Cam­po­lide, Jo­a­quim Be­nite, então jor­na­lista e crí­tico te­a­tral, com um grupo de jo­vens ac­tores e téc­nicos, com a co­la­bo­ração de um dra­ma­turgo-re­si­dente, Vir­gílio Mar­tinho (facto, até aí, iné­dito no nosso te­atro, ti­rando a lon­gínqua ex­pe­ri­ência de Luís Fran­cisco Re­bello no Te­atro Es­túdio do Sa­litre, nos anos 1940), inau­gu­rava um dos mais ino­va­dores e mar­cantes per­cursos cri­a­tivos do te­atro por­tu­guês, que se an­co­rava a pro­jectos afins, de in­ven­tiva li­sura, dos anos 1960, como o ti­nham feito o Te­atro Ex­pe­ri­mental do Porto, de An­tónio Pedro, a Casa da Co­média, de Fer­nando Amado e Fer­nanda Lapa, ou o Te­atro Mo­derno de Lisboa.

O Grupo de Te­atro de Cam­po­lide ini­ciava fun­ções com en­ce­nação de Be­nite, do so­berbo texto de An­tónio José da Silva, Vida do Grande D. Qui­xote e do Gordo Sancho Pança, peça que fi­caria para sempre li­gada à sua his­tória, tal foi o êxito dessa ino­va­dora e in­te­li­gente en­ce­nação e da pres­tação de­si­ni­bida, alegre e con­ta­gi­ante dos ac­tores, que exerceu junto dos es­pec­ta­dores sa­lutar adesão. Lembro que o pú­blico fazia fila à porta da Co­lec­ti­vi­dade e de o es­pec­tá­culo ter es­go­tado noites a fio.

Com­pro­misso mantém-se

O com­pro­misso e o em­penho do Grupo, mesmo após a sua pas­sagem a com­pa­nhia pro­fis­si­onal e, a partir de 1978, com a sua trans­fe­rência para Al­mada, adap­tando a mu­dança de nome às novas cir­cuns­tân­cias, pas­sando a de­no­minar-se Com­pa­nhia de Te­atro de Al­mada, man­teve-se, na aposta con­ti­nuada de um te­atro vivo e ac­tu­ante, em­pe­nhado na di­fusão da grande li­te­ra­tura dra­má­tica uni­versal, indo ao en­contro de textos que con­te­nham e re­flictam as grandes ques­tões hu­manas e so­ciais do nosso tempo, sem es­quecer «a cri­ação de es­pec­tá­culos com textos de – ou a partir de – au­tores por­tu­gueses, clás­sicos e con­tem­po­râ­neos». Nesta ver­tente, as­sume-se como par­ti­cular im­por­tância e di­mensão o Fes­tival In­ter­na­ci­onal de Te­atro de Al­mada, que cum­prirá este ano a sua 38.ª edição, es­pe­rando nós que o faça na ple­ni­tude da sua pro­jecção na­ci­onal e in­ter­na­ci­onal, sem os cons­tran­gi­mentos im­postos por uma pan­demia, que va­ri­ante a va­ri­ante, nos anda a atro­pelar a Vida.

Ro­drigo Fran­cisco, dra­ma­turgo e en­ce­nador, ac­tual di­rector ar­tís­tico da Com­pa­nhia, tem con­ti­nuado essa pe­cu­liar he­rança, acres­cen­tando-lhe uma di­mensão outra, am­bi­ciosa e abran­gente, de acordo com di­nâ­micas cri­a­tivas e es­té­ticas con­tem­po­râ­neas, vi­rado para um pú­blico atento e exi­gente que tem sido «o cerne da nossa ac­ti­vi­dade e a razão es­sen­cial de exis­tirmos», nas pa­la­vras de Ro­drigo Fran­cisco.

Na Con­fe­rência de Im­prensa pro­mo­vida pela Com­pa­nhia para as­si­nalar a efe­mé­ride, disse Ro­drigo Fran­cisco: «Co­me­mo­ramos 50 anos da Com­pa­nhia num ano em que o sim­ples facto de es­tarmos juntos nos co­loca pe­rante novos de­sa­fios. [...] Na pró­xima edição do Fes­tival, te­remos ex­po­si­ções, edi­ções es­pe­ciais e es­treias que de­sa­fi­arão as novas ge­ra­ções para o fu­turo que aí vem».

Pa­ra­béns a todos quantos con­se­guiram dar con­ti­nui­dade, er­guer e pros­se­guir, um dos mais di­nâ­micos, con­se­quentes e pro­fí­cuos pro­jectos cul­tu­rais, raro no pa­no­rama das artes cé­nicas do País e nos dias que ha­bi­tamos.




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