Cultura: uma força que se agiganta

Ana Mesquita

A cul­tura foi en­con­trando em si uma força que se foi agi­gan­tando

Desde o pri­meiro con­fi­na­mento, em Março, tornou-se im­pos­sível ig­norar a si­tu­ação ver­da­dei­ra­mente dra­má­tica que os tra­ba­lha­dores da cul­tura e o te­cido ar­tís­tico na­ci­onal atra­vessam.

A evi­dente ins­ta­bi­li­dade e pre­ca­ri­e­dade que marca a cul­tura, fruto da po­lí­tica de di­reita de su­ces­sivos go­vernos ao longo de anos a fio, era uma bomba-re­lógio. E ex­plodiu. Tar­daram as me­didas do Go­verno para es­tancar as con­sequên­cias das me­didas que con­fi­naram a cul­tura, sem apelo nem agravo.

O PCP isso mesmo de­nun­ciou e apre­sentou me­didas con­cretas para dar res­posta ao que se sentia no ter­reno. Pri­meiro, em Março, com um Fundo de Apoio So­cial de Emer­gência ao te­cido cul­tural e ar­tís­tico de na­tu­reza não con­cor­ren­cial aos tra­ba­lha­dores e en­ti­dades da área ar­tís­tico-cul­tural por adi­a­mento e can­ce­la­mento das ac­ti­vi­dades na sequência das me­didas ex­cep­ci­o­nais e tem­po­rá­rias de res­posta à epi­demia SARS-CoV-2. Esta pro­posta foi re­jei­tada com os votos contra de PS, PSD, CDS-PP, CH e IL.

A re­a­li­dade provou que era justa a pro­posta do PCP. Os pro­blemas su­ce­deram-se em ca­ta­dupa: tra­ba­lha­dores sem sus­tento, es­tru­turas de cri­ação ar­tís­tica a fe­char portas, po­pu­la­ções sem acesso à cul­tura. Uma raiva ia cres­cendo nos dentes de quem há tantos anos vinha re­sis­tindo ao sub­fi­nan­ci­a­mento cró­nico de um di­reito cons­ti­tu­ci­onal de múl­ti­plas di­men­sões: além da cri­ação e da fruição, a cul­tura é também tra­balho - e tra­balho tem de ser com di­reitos.

To­madas de po­sição, pro­testos, ma­ni­fes­ta­ções. Algo tinha de mudar. Tem de mudar. A cul­tura foi en­con­trando em si uma força que se foi agi­gan­tando, uma for­miga que vem de trás e fez car­reiro. Não che­gavam já as me­didas de emer­gência, era pre­ciso mais para que nada disto se pu­desse re­petir no fu­turo. Mudar os apoios às artes, cor­rigir os re­sul­tados dos úl­timos con­cursos e as­se­gurar fi­nan­ci­a­mento pú­blico a todas as can­di­da­turas ele­gí­veis, re­pensar o ci­nema, não deixar morrer as li­vra­rias e edi­toras in­de­pen­dentes, apoiar os mu­seus, de­fender o pa­tri­mónio. Enfim, ga­rantir a exis­tência de um ver­da­deiro ser­viço pú­blico de cul­tura, de­vi­da­mente fi­nan­ciado.

A res­posta ne­ces­sária

A tudo isto o PCP foi dando res­posta, sendo a voz ac­tiva em de­fesa da cul­tura na As­sem­bleia da Re­pú­blica e fora dela. Foi a força dos tra­ba­lha­dores e do povo da cul­tura que su­perou a li­mi­tação da arit­mé­tica par­la­mentar e con­quistou, por pro­posta do PCP, me­didas im­por­tantes e que agora se vão re­velar fun­da­men­tais para com­bater a de­gra­dação do te­cido ar­tís­tico e cul­tural.

Uma das pro­postas do PCP que foi apro­vada é o pro­grama de apoio ao tra­balho ar­tís­tico e cul­tural, que o Go­verno veio a bap­tizar de Ga­rantir Cul­tura e anun­ciou em con­fe­rência de im­prensa no dia 14 de Ja­neiro, com uma do­tação de 42 mi­lhões de euros.

O pres­su­posto da pro­posta do PCP é a ne­ces­si­dade de to­mada de me­didas que ga­rantam a todos o di­reito à cri­ação e ao tra­balho ar­tís­tico e cul­tural, bem como o di­reito à fruição por parte de toda a po­pu­lação em todo o ter­ri­tório. Para isso, é ur­gente en­con­trar al­ter­na­tivas que pos­si­bi­litem a apre­sen­tação do tra­balho ar­tís­tico e cul­tural, mul­ti­pli­cando os es­paços de apre­sen­tação, o nú­mero de es­pec­tá­culos, as car­reiras e tem­po­radas. É pre­ciso in­cen­tivar a cri­ação, ga­ran­tindo que há lugar à justa com­pen­sação das que­bras de re­ceitas de quem presta o ser­viço pú­blico de cul­tura.

O ob­jec­tivo é ga­rantir que as artes per­for­ma­tivas (como o circo, a dança, a mú­sica, o te­atro), as artes vi­suais (in­cluindo a ar­qui­tec­tura, as artes plás­ticas, o de­sign, a fo­to­grafia) e a exi­bição al­ter­na­tiva de ci­nema são es­ti­mu­ladas, as­se­gu­rando a con­ti­nui­dade da pro­dução e da ac­ti­vi­dade sendo as­se­gu­rada a re­mu­ne­ração do tra­balho téc­nico e do tra­balho ar­tís­tico em con­so­nância com a ne­ces­si­dade de mul­ti­pli­cação de apre­sen­ta­ções e es­pec­tá­culos.

No de­bate com o pri­meiro-mi­nistro desta se­mana, Je­ró­nimo de Sousa in­sistiu que a pro­posta do PCP tem de ser con­cre­ti­zada em pleno e não apenas com me­tade da verba que es­tava es­ti­mada. Além disso, frisou que é pre­ciso que esse apoio chegue ra­pi­da­mente aos des­ti­na­tá­rios, de forma a fazer face a novas li­mi­ta­ções que foram im­postas à sua ac­ti­vi­dade, mas também para a re­toma do tra­balho ar­tís­tico e cul­tural.

Pela força dos car­reiros que se vão jun­tando se há-de mudar o rumo da cul­tura, co­me­çando por lutar para ga­rantir que o que foi con­quis­tado é res­pei­tado e não volta atrás.




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