Faria ou a rotina da obstrução

Correia da Fonseca

No quadro das entrevistas aos candidatos às próximas eleições presidenciais, o biólogo João Ferreira, comunista, eurodeputado, vereador na CML e candidato a Belém, foi entrevistado na RTP pelo jornalista João Adelino Faria e, para além de outros méritos, a entrevista teve o de constituir uma demonstração prática de como um entrevistador aparentemente sem princípios mas com fins consegue reduzir o que poderia ser uma conversa a uma espécie de jogo de escondidas em que uma das partes tenta colocar uma resposta e a outra das partes se mostra decidida a impedi-lo. Escusado será dizer que nestas condições a entrevista deixa de o ser de facto, mas será natural ou legítimo imaginar que com ela o entrevistador deu um passo em frente na sua carreira profissional, sendo de esperar que muito lhe aproveite. Porque, como se saberá, ou se não se sabe de ciência certa é inevitável que adivinhemos, há entrevistas que seriam indesejáveis para alguns, pelo que o mais expedito será dar cabo delas na primeira curva do caminho ou mesmo antes dela.

Más e tristes
A coisa chegou ao ponto de João Ferreira se ver obrigado a quase implorar: «Deixe-me responder!», pediu ele por mais de uma vez. Mas Faria não parecia inclinado a permiti-lo, aparentemente ele nem estava ali para ouvir respostas mas sim para colocar questões carregadas de vitríolo. Aliás João Adelino Faria dificilmente poderia surpreender-nos, os telespectadores até já o conheciam de outros lugares, designadamente de O Outro Lado, rubrica por ele conduzida com um generalizado acerto facilitado pela circunstância do quase consenso que abrange os que nela participam. A entrevista a João Ferreira decorreu em clima diferente e aparentou ter uma espécie de orientação básica: a de não deixar que o entrevistado pudesse pôr o pé em ramo verde, como se diria recorrendo a uma fórmula popular, sendo que neste caso haveria sempre o risco de o ramo pisado se revelar vermelho, o que poderia parecer mal. Porém, acontece que situações como esta estragam qualquer entrevista: nem o entrevistador parece escolher a panóplia de perguntas sem qualquer constrangimento nem o entrevistado consegue responder a todas as questões com inteira liberdade, digamos assim. Foi por este caminho que a entrevista de João Adelino Faria se gorou: dentro de semanas, a voz de João Ferreira será na Europa uma voz portuguesa e comunista, o que acentua o muito interesse que as suas palavras e os seus entendimentos desde já têm para a generalidade dos portugueses. Que a entrevista conduzida por João Adelino Ferreira tenha sido para o entrevistado mais um percurso de obstáculos que uma oportunidade de comunicação foi mau para todos. Quando muito, poderá sobrar um pouco para o currículo do entrevistador. Mas por tristes razões.

 



Mais artigos de: Argumentos

Gratuitidade das creches - valeu e vale a pena lutar

Lusa Portugal continua confrontado com um grave défice demográfico, sendo a queda da natalidade um aspecto que merece preocupação, bem como importa que sejam tomadas medidas para a ultrapassar. Todos os estudos demonstram que os portugueses em idade fértil gostariam de ter mais filhos do que...

Uma Lição de História e de Civilização

Lusa Há oitocentos anos, cinco frades franciscanos italianos foram torturados e decapitados em Marraquexe por ordem do califa Abu Yussuf al-Mustandsir, que a história regista como os Mártires de Marrocos, com todo o simbolismo de serem os primeiros martirizados pelo Islão. É esse o pretexto...