Opções vistas do avesso

Manuel Rodrigues

O ex-Presidente da República Cavaco Silva classificou na passada terça-feira a redução do horário de trabalho semanal no setor público como «um dos maiores erros do poder político» e sublinhou a «especial atenção» dada pelos seus Governos à saúde.

Cavaco lembra que, na sequência da revisão constitucional de 1989, foi aprovada uma nova Lei de Bases da Saúde que «pôs termo à tendência para a estatização da medicina em Portugal e abriu à iniciativa privada a prestação de cuidados de saúde».

É o que verdadeiramente se pode chamar uma leitura às avessas de opções que tantos males causaram ao povo português. A revisão constitucional de 1989 (que juntou PSD, PS e CDS) alterou, de facto, o estatuto constitucional do direito à saúde, garantido por um «serviço nacional de saúde, geral e gratuito», para passar a ser assumido «através de um serviço nacional de saúde universal e geral, e tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito».

Foi com base nesta alteração - «tendencialmente gratuito» - que se introduziram as taxas moderadoras, se abriu portas às parcerias público-privadas (as tais «regras modernas de gestão» de que fala CS), que se abriu à iniciativa privada a prestação de cuidados de saúde, que se canalizou avultadas verbas públicas para os grupos económicos que se alimentam do negócio da doença.

Não, não foi o horário semanal das 35 horas o responsável por um dos maiores ataques ao SNS. O horário das 35 horas representou avanço e não retrocesso social (como representou a política de direita dos seus governos, ao longo de 10 anos). O que é errado não são as 35 horas para estes trabalhadores, o que faz falta (e mais tarde ou mais cedo há-de ser conquistado pela luta) é estender este horário aos trabalhadores do sector privado. É voltar a assumir a saúde como um direito universal e gratuito a todos garantido.




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