Teatro de rua em festa nos dias 4, 5 e 6 de Setembro
ARTE Nesta edição da Festa do Avante!, o Avanteatro, cumprindo com as medidas sanitárias que a actual situação exige, assumirá a componente de teatro de rua e contará com uma programação de diversas expressões: teatro, música, poesia e fusão de vídeo documental e conceptual com o circo. Este espaço vai assinalar o centenário de Bernardo Santareno (1920-1980).
O Avanteatro assumirá a componente de teatro de rua
Desencontro
Jograis e trovadores,
vagabundos de todos os tempos,
são os meus parentes.
Não me peçam construções,
nem actos úteis de momento:
Eu sou um adolescente
e nunca serei adulto.
Não me peçam sobriedade,
nem gestos medidos, cinzentos:
Eu sou um arlequim
e visto-me de encarnado,
como as aves no firmamento
e como as flores na terra!
Não me exijam palavra certa,
nem honra… P’ra quê ilusões?
Nem santo, nem herói, nem mestre:
Eu sou um poeta
e só posso dar canções!
Bernardo Santareno
Boldie & Cloide
Pelo Avanteatro vão passar «Boldie & Cloide», um espectáculo musical, inspirado na odisseia de Bonnie & Clyde, o casal de gangsters mais famoso da história, que é uma viagem aos loucos anos 20, época de libertação e de folia.
Esta aventura, interpretada por Cláudia Santos (cantora) e David Cruz (multi-instrumentalista), parte de Lisboa no ano de 1920. «Este casal de sonhadores anda pelo mundo a assaltar bancos – não, não estamos a falar dos bancos-instituições financeiras, mas sim de bancos de jardim! Em vez de metralhadoras, a dupla usa um banjo, alguns instrumentos de percussão e duas vozes fortes e expressivas para atacar os transeuntes: em vez de balas projectam notas musicais, em vez da dor provocam alegria e em vez do dinheiro roubam sorrisos», lê-se na sinopse.
Este é, portanto, um espectáculo de elevada qualidade artística, muito dinâmico e com interacção com o público.
Asas d’Areia
Em cena estará, igualmente, «Asas d’Areia», pelo Teatro do Mar, uma fusão do vídeo documental e conceptual com o circo, nomeadamente a arte do equilíbrio (arame e corda bamba), com a interpretação de Douglas Melo e Kátia Rocha, conceito e direcção de Julieta Aurora Santos.
O espectáculo «debruça-se sobre a temática dos povos migratórios, contextualizando-se, de forma mais particular e numa perspectiva humanitária, nos que estão retidos em campos de refugiados. O foco do trabalho, que foge da mera ilustração do tema, ou de uma abordagem de análise política sobre o mesmo, visa essencialmente uma investigação sobre a natureza, comportamento e relações humanas, quando subordinados a condições extremas, num lugar inóspito, vazio de esperança e/ou expectativas de futuro. Dois personagens buscam um lugar vital, essencial, que lhes preserve a dignidade e a capacidade de resistir.»
Sem o que se possa chamar de ponto de partida ou de chegada, vivendo entre ambos,
numa permanente suspensão, e num não-lugar, o trabalho performativo em «Asas d'Areia» deriva sobre as questões da espera, insegurança, medo, expectativa.
«Fragilidade, busca de equilíbrio, cansaço, desânimo e revolta. A preservação ou a morte do sonho, como alimento ou escassez, do garante da sobrevivência. O corpo, o movimento, e o trabalho de equilibrismo, como reflexo dos estados emocionais, a sua transformação e metamorfose, reflete uma energia e poética de cena na qual todos se poderão rever, pela humanidade que contém», refere a sinopse.
Toca e Meche/ Milho por Peixe
Dirigido para a infância e famílias, «Toca e Meche/ Milho por Peixe», com interpretação de Arantxa Joseph e André Duarte, tem a direcção artística, dramaturgia e encenação de Giacomo Scalasi.
Esta é a história de «uma menina que vivia numa aldeia onde se plantava e comia milho… Só milho! Levada pelo sonho de um dia poder comer peixe, conhece Kudjo que vive numa aldeia de pescadores à beira-mar. Ele mostra-lhe um segredo que o seu avô e o avô do seu avô foram passando de geração em geração. Kudjo pescava o peixe com uma canção e quando chegava com o barco ao sítio da enseada, cantava com muita intenção e assim fazia a magia acontecer. Fatú e Kudjo tornam-se amigos, descobrindo juntos uma grande riqueza. Fatú tinha o milho e Kudjo, o peixe. A união de ambas riquezas tornou-se a maior riqueza de todas».
«Este conto cantado e uma canção cantada» é um musical que vai do rap ao reggae, mexendo com ritmos portugueses, entoando canções tradicionais togolesas. Um espectáculo que contribui para a cidadania global, promovendo a universalidade das culturas.
A Abetarda
«A Abetarda» foi o primeiro projecto que resultou da parceria, em 2014, entre o Teatro da Terra e o município de Castro Verde. Ao autor João Monge foi encomendado o texto que junta o cante alentejano ao teatro de rua, numa celebração deste símbolo de Castro Verde, com uma história orientada para uma procissão pagã, habitualmente tecida na base da cultura popular alentejana, polvilhada por reminiscências do cristianismo, projectando a elevação da maior ave de voo da Europa, a um estudo mitológico/fantástico. Os quatro textos da autoria de João Monge, que o Teatro da Terra materializou, destacam este consanguíneo poeta/letrista/escultor como criador mais representado pela companhia.
No início do ano, o Teatro da Terra, sob a direcção artística de Maria João Luís, passou a ser a companhia residente do Fórum Cultural do Seixal, depois da assinatura de um Protocolo com a Câmara Municipal do Seixal. Esta parceria impulsiona a experiência acumulada na última década, na projecção do teatro para o quotidiano da região, aproveitando e retribuindo a forte dinâmica de investimento na Cultura do município do Seixal.
Na Festa, «A Abetarda», interpretada por Maria João Luís, Filipe Gomes e Sérgio Gomes, conta com a participação dos Toca a Rufar, dirigidos por Rui Júnior, e de seis coros alentejanos do concelho do Seixal (Grupo Coral «As Papoilas» do Fogueteiro; Grupo Coral Alentejano de ASSTAS; Grupo Coral Alentejano «Lírio Roxo» de Paio Pires; Grupo Coral Operário Alentejano do Centro Cultural e Desportivo das Paivas; Grupo de Cante Feminino da Associação RPI da Torre da Marinha).
Este elenco alargado vai «partilhar as ruas e os traços característicos da cultura popular, sinal de um posicionamento artístico inovador na capacidade de integrar os agentes locais, sem que a identidade própria de cada grupo destoe da criação teatral colectiva», lê-se na sinopse. «O Teatro da Terra com a remontagem da “A Abetarda” afirma-se, mais uma vez, como um projecto de teatro comunitário de características únicas, operando agora no concelho do Seixal», refere o texto.
Sómente
Destaque ainda para «Sómente», espectáculo que reflecte sobre a solidão da velhice, pelo Teatro Só Encenação, com dramaturgia e interpretação de Sérgio Fernandes.
«O ritmo a que a sociedade vive e evolui, faz com que os mais velhos estejam a ser esquecidos, ou mesmo abandonados. No crepúsculo da vida, um homem pode fechar-se na bolha solitária do passado. É preciso coragem para continuar a procurar alegria e amigos. “Sómente” é o retrato de um homem que permaneceu jovem de coração, mas que está preso num corpo desgastado pela passagem do tempo. Conseguirá sair da bolha?», interroga o texto da sinopse da peça de teatro, sem diálogos, na qual o «carinho, a emoção e a poesia das imagens estão em primeiro lugar».
Este será um espectáculo de grandes dimensões (cenário e personagens em andas) com forte impacto visual no espaço público.
Avante! recebe «A Abetarda»
Maria João Luís, actriz e encenadora, fala-nos da «A Abetarda», peça, com texto de João Monge, que vai estar na Festa do Avante!. Aqui, a representação entrosa-se com o cante alentejano, as percussões e instrumentos de sopro.
De que trata «A Abetarda» que junta teatro de rua e cante alentejano?
«A Abetarda» é uma ave que se pode encontrar na região de Castro Verde. O espectáculo surge no âmbito do convite ao Teatro da Terra para uma criação nesse concelho alentejano. Convidámos o autor João Monge para fazer o texto, de onde partiu o trabalho com a comunidade local. «A Abetarda», símbolo de Castro Verde e a sua história, é, por assim dizer, a protagonista deste espectáculo que junta o cante, a percussão, actores e sopros. Nesta criação estão envolvidos cerca de 60 elementos. Uma grande festa de teatro.
Como foi regressar a esta peça ao fim de seis anos?
Voltar a apresentar «A Abetarda» implicou várias alterações. Devido à actual situação pandémica tive de fazer várias adaptações à marcação inicial, o que faz com que o que vamos ver seja bastante diferente do que apresentámos em Castro Verde. É um espectáculo raro, único!
E voltar ao subir ao palco da Festa?
É sempre com muito prazer que colaboramos com a Festa do Avante e com o Avanteatro.
Como tem sentido as reacções, especialmente dos artistas numa altura em que a Cultura enfrenta uma grave crise, à decisão da realização da Festa do Avante?
Os artistas estão a passar um mau bocado. Parece-me mais importante a luta pelos direitos básicos desta classe do que tentar identificar opiniões sobre uma decisão que foi tomada, com toda a certeza, com consciência e ponderação. Como tudo, será do agrado de uns e de outros não!
Vai viver a Festa também como visitante?
Vou viver a Festa intensamente como participante e como visitante.