«Este é o tempo de fazer opções de fundo colhendo as lições da actual situação»
ALTERNATIVA Mais do que programas, o que decide e esclarece é a sua materialização concreta, as opções que adoptam, os objectivos e destinatários que priorizam, sublinha o PCP a propósito do chamado Programa de Recuperação Económica e Social (PRES) apresentado pelo Governo.
A solução não passa por uma política de direita maquilhada
Em conferência de imprensa no final da semana passada, Vasco Cardoso, da Comissão Política do Comité Central, começou logo por sublinhar que «a dimensão dos problemas que o País enfrenta, ampliados e postos em evidência pela actual situação, exige a adopção de uma política que rompa com a que ao longo de décadas os gerou e acumulou».
Classificando as respostas do Governo de «insuficientes» e contribuidoras para «o aproveitamento que o grande capital está a fazer da actual situação», Vasco Cardoso acentuou que, havendo, «seguramente, medidas a adoptar, indispensáveis e inadiáveis para corrigir erros e injustiças», «o que a situação do País exige, sobretudo, é que se abra caminho a uma outra política, que assegure as condições para o desenvolvimento soberano do País, para superar os principais défices estruturais, valorizar os salários e direitos dos trabalhadores, elevar as condições de vida do povo».
Ora, prosseguiu o dirigente comunista, «o PRES que o Governo acaba de apresentar (...) mantém no essencial pressupostos e opções que têm condicionado e impedido o desenvolvimento nacional e estão na base das desigualdades e injustiças que marcam a sociedade e o território».
«A forma e o percurso assumidos por este programa, com o Governo a recorrer a uma personalidade exterior, dizem muito do carácter episódico e casuístico para onde foi atirada ao longo dos anos a capacidade de planeamento estratégico do Estado português», criticou ainda Vasco Cardoso, antes de realçar que para o Partido «não é condição bastante enunciar propostas e objectivos, alguns dos quais há muito sinalizados pelo PCP».
Questão decisiva
«A questão decisiva», continuou, «está em saber como e ao serviço de quem esses objectivos se devem concretizar: se ao necessário aumento da riqueza produzida está também associada a sua justa distribuição, ou se, pelo contrário, ela concorrerá para uma ainda maior desigualdade na repartição entre capital e trabalho; se a industrialização e a modernização do tecido produtivo enunciados tem como pressuposto o controlo nacional e a substituição de importações, ou apenas o desenvolvimento de novos segmentos produtivos integrados na subordinação vigente no País ao capital estrangeiro; se a exploração dos recursos nacionais tem como objectivo a sua integração numa estratégia soberana, ou se se destinará a abrir um novo campo de domínio monopolista e predador dos recursos nacionais; se o investimento anunciado tem como objectivo dinamizar a economia nacional, o aparelho produtivo, a criação de emprego com direitos, ou se é apenas um passo para drenar milhares de milhões de euros de fundos comunitários para os grupos económicos nacionais e, sobretudo, estrangeiros».
Assim, «o PCP não pode deixar de registar negativamente um programa que patenteia uma declarada omissão da valorização dos trabalhadores, dos seus salários e direitos; que propõe a manutenção de todos os instrumentos do neoliberalismo e das suas formulações operacionais; que ignora os constrangimentos impostos pela ausência de soberania monetária e por uma dívida pública insustentável; que assume o Estado como facilitador e financiador dos grupos económicos, entendidos como motor e centro da economia, ao mesmo tempo que é omisso sobre a estrutura monopolista dos sectores não transaccionáveis ou o domínio pelo capital estrangeiro de empresas e sectores estratégicos».
«O PRES assume de fio a pavio o conjunto de orientações, programas e opções presentes na União Europeia, assumindo-se como instrumento para a sua concretização em Portugal», e «constitui-se, de facto, quando passa do domínio dos enunciados para o da linha de acção, como um instrumento para promover a centralização e a concentração do capital e assegurar a transferência massiva de fundos públicos, nomeadamente dos fundos comunitários para o capital privado», insistiu Vasco Cardoso, que reiterou que «para o PCP, a solução para os problemas nacionais não passa por uma política de direita retocada ou maquilhada por meia dúzia de ideias que há muito deveriam estar concretizadas».
«Este é o tempo de fazer opções de fundo colhendo as lições da actual situação». O tempo de Portugal pôr em marcha um «verdadeiro programa de recuperação e desenvolvimento» que traduza «opções soberanas, detendo nas suas mãos os instrumentos apropriados e não dependentes dos critérios e decisões de terceiros», concluiu.