Protecção Civil: sistema com fragilidades a exigir reflexão e respostas

Octávio Augusto

No com­bate ao surto epi­dé­mico evi­den­ciam-se, uma vez mais, as fra­gi­li­dades do sis­tema de pro­tecção civil e a su­bal­ter­ni­zação do papel dos bom­beiros nesse mesmo sis­tema.

Evi­dencia-se também a di­fe­rença entre as de­cla­ra­ções, os do­cu­mentos ofi­ciais e a re­a­li­dade.

No re­la­tório apre­sen­tado pela es­tru­tura de mo­no­to­ri­zação do es­tado de emer­gência su­blinha-se que a Co­missão Na­ci­onal de Pro­tecção Civil, de­li­berou a ati­vação do Plano Na­ci­onal de Emer­gência de Pro­tecção Civil, por forma a res­ponder com a má­xima efi­cácia às exi­gên­cias de pro­teção e so­corro ex­ce­ci­o­nais de­cor­rentes desta crise de saúde. (…) Foram igual­mente ati­vados múl­ti­plos Planos Mu­ni­ci­pais e Dis­tri­tais de Emer­gência de Pro­tecção Civil, (…) adap­tando-se assim os di­versos planos à re­a­li­dade de cada mu­ni­cípio. Até dia 2 de abril, en­con­travam-se ati­vados, além do Plano Na­ci­onal, 17 Planos Dis­tri­tais e 111 Mu­ni­ci­pais.

A re­a­li­dade veio de­mons­trar que na falta de um nível in­ter­médio de de­cisão po­lí­tica entre os ní­veis cen­tral e o mu­ni­cipal (pro­ta­go­ni­zado pelos go­ver­na­dores civis antes de serem ex­tintos) e a falta da ins­ti­tu­ci­o­na­li­zação de um le­gí­timo poder re­gi­onal, se ve­ri­ficou uma ver­da­deira anar­quia de cri­té­rios na ac­ti­vação dos Planos Dis­tri­tais de Emer­gência. O pri­meiro Plano Dis­trital (Aveiro) foi ac­ti­vado em 13/​3 e os úl­timos (Lisboa e Se­túbal) em 30/​3.

Por outro lado, o pró­prio Plano Na­ci­onal de Emer­gência (PNE) de Pro­tecção Civil só foi ac­ti­vado a 24/​3, na sequência da de­cla­ração do es­tado de emer­gência (19/​3) quando de­veria ter sido ac­ti­vado antes, ou seja, quando já es­tavam ac­ti­vados vá­rios Planos Dis­tri­tais. Apesar desta de­cisão não re­sultar de qual­quer im­pe­ra­tivo legal, ela jus­ti­fi­cava-se ple­na­mente.

A falta de co­or­de­nação e de co­e­rência de in­ter­venção ao nível dos dis­tritos e mu­ni­cí­pios, mo­tivou a no­me­ação pelo Go­verno de cinco se­cre­tá­rios de Es­tado, para em cada re­gião as­se­gu­rarem a co­or­de­nação po­lí­tica da crise. Esta é uma questão re­le­vante que deve ser equa­ci­o­nada na re­flexão a fazer na pós-crise, aos ins­tru­mentos de re­gu­lação ju­rí­dica do sis­tema, no­me­a­da­mente a Lei de Bases da Pro­tecção Civil e da Lei Or­gâ­nica da ANEPC, nesta e em es­pe­cial quanto à subs­ti­tuição da es­cala dis­trital por uma ana­cró­nica agre­gação in­ter­mu­ni­cipal, tendo por base as CIM (tal como o PCP em de­vido tempo alertou), bem como ao mo­delo a adoptar de pla­ne­a­mento civil de emer­gência.

O papel dos Bom­beiros

No re­la­tório re­fere-se ainda que é de su­bli­nhar o papel pre­pon­de­rante dos bom­beiros na res­posta às ope­ra­ções de pro­tecção e so­corro, atu­ando na pri­meira linha de in­ter­venção. (…) E,re­fere-se que a ANEPC ga­rantiu o apoio lo­gís­tico a di­versas en­ti­dades, e à pró­pria es­tru­tura, bem como a dis­tri­buição de equi­pa­mentos de pro­tecção in­di­vi­dual (EPI) às Forças de Se­gu­rança e aos Bom­beiros.

Na ver­dade, o que se ve­ri­ficou foi a au­sência atem­pada de ins­tru­ções para a ac­tu­ação dos Bom­beiros. Foi a falta de res­posta a de­zenas de co­mu­ni­ca­ções aler­tando para a falta de EPI, que ainda hoje são ma­ni­fes­ta­mente in­su­fi­ci­entes (só a 27/​3 as cor­po­ra­ções foram no­ti­fi­cadas para en­vi­arem no pró­prio dia o le­van­ta­mento das suas ne­ces­si­dades).

Na res­posta ao PCP, o MAI afir­mava que os EPI se­riam dis­tri­buídos de forma cri­te­riosa e em função das ne­ces­si­dades… En­tre­tanto, a pre­o­cu­pação re­la­ti­va­mente à in­su­fi­ci­ência de EPI nas Cor­po­ra­ções de Bom­beiros per­siste. Por exemplo, a Fe­de­ração dos Bom­beiros do Dis­trito de Se­túbal re­fere que a falta de dis­tri­buição e re­forço dos EPI aos Bom­beiros é uma si­tu­ação pre­o­cu­pante, pois co­loca a se­gu­rança e a saúde dos nossos Bom­beiros em pe­rigo, como co­loca em risco o so­corro às po­pu­la­ções e torna-os um po­ten­cial foco de trans­missão.

O preço de op­ções er­radas

Deve ques­ti­onar-se a ine­xis­tência de uma Re­serva Es­tra­té­gica Na­ci­onal, ge­rida de forma in­te­grada pela ANEPC, do­tada de re­cursos ma­te­riais, equi­pa­mentos e infra-es­tru­turas de emer­gência. Existem Re­servas Es­tra­té­gicas de com­bus­tí­veis, de sangue e de me­di­ca­mentos. Mas o País não possui uma Re­serva Es­tra­té­gica Na­ci­onal, no quadro da Gestão de Crise, Pla­ne­a­mento Civil de Emer­gência e Pro­tecção Civil. E como se com­prova, pre­cisa!

Res­ponder à emer­gência

O de­fi­ci­ente fi­nan­ci­a­mento das Cor­po­ra­ções de Bom­beiros é um pro­blema que se avo­luma ano após ano. O trans­porte de do­entes di­mi­nuiu dras­ti­ca­mente (varia entre os 40 e os 90%) o que co­loca as AHBV em graves di­fi­cul­dades agra­vadas pela quebra sig­ni­fi­ca­tiva de ou­tras re­ceitas e o au­mento de des­pesas com con­su­mí­veis e EPI, co­lo­cando muitas delas à beira da fa­lência. É ne­ces­sário que, para além do adi­an­ta­mento de verbas de­cor­rentes dos sub­sí­dios nor­mais, sejam li­qui­dadas todas as dí­vidas do Es­tado aos Bom­beiros e, prin­ci­pal­mente, a adop­tadas me­didas ex­tra­or­di­ná­rias de com­pen­sação dos pre­juízos cau­sados pela drás­tica re­dução das re­ceitas ha­bi­tuais. Apesar das ga­ran­tias dadas pela se­cre­tária de Es­tado da Ad­mi­nis­tração In­terna de que a época de in­cên­dios que se apro­xima está a ser de­vi­da­mente acau­te­lada, im­porta ga­rantir que os Bom­beiros mantêm a sua ca­pa­ci­dade de in­ter­venção no so­corro às po­pu­la­ções e no com­bate a in­cên­dios, entre ou­tras ocor­rên­cias.

Em de­vido tempo, terá de se pro­ceder à ava­li­ação de toda a res­posta dada, nos vá­rios pe­ríodos de mo­bi­li­zação para fazer face à crise, para que desta vez se ex­traiam li­ções para o fu­turo.




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