Resistência, resistências

Correia da Fonseca

Os diversos canais portugueses de televisão despejam nos ecrãs dos nossos televisores constantes informações acerca da pandemia que percorre o mundo e, se é certo que esse fluxo pode causar um efeito depressivo e reforçar o susto que todos em maior ou menor grau vivemos, será inegável que esse susto é tendencialmente útil. Diz o ditado popular que o medo guarda a vinha, e bem precisamos de que esta peculiar vinha que é a nossa sobrevivência seja guardada por todos os meios utilizáveis, sem exclusão de um medo que não contradiga a racionalidade, antes pelo contrário. Entretanto, a utilidade das constantes referências à pandemia não exclui que ela confira com o pendor permanente da televisão para usar infelicidades e catástrofes não tanto para cumprir o dever de informar quanto para abrilhantar ou tornar mais apetitosa, ainda que por meios não recomendáveis, a sua função informativa. Entretanto, convém que cada cidadão telespectador se sinta impelido e motivado para adoptar perante a ameaça que o vírus constitui uma atitude de resistência que de algum modo se aparenta também com uma resistência cívica: com a agora muito lembrada «A Peste», Albert Camus quis entregar à França e ao mundo uma alegoria política. A resistência, as resistências, têm vários contextos e circunstâncias.

Determinação e inteligência

Ora, sucede que a memória de uma outra concreta resistência está presente na RTP por estes dias, ainda que num canal pouco visitado aliás com prejuízo para os muitos, que são quase todos, a quem não ocorre visitá-lo: a RTP Memória, agora ao cuidado de Júlio Isidro. Na RTP Memória está em retransmissão porventura a melhor novela que a estação pública alguma vez nos ofereceu: «Quando os lobos uivam», adaptação feita por Moita Flores do que porventura é o melhor romance de Aquilino por ser o mais equilibrado entre uma prosa incomparável e um conteúdo de denúncia da ditadura fascista. Como é sabido, a memória de uma resistência pode apelar a outras que se revelem necessárias ainda que noutras áreas: resistir é sempre enfrentar a adversidade que nos tolhe o caminho com maior ou menor brutalidade. Mas cada tipo de resistência tem o seu específico caminho. A pandemia que nos ataca e o famigerado vírus que a protagoniza exigem que lhes resistamos com determinação e também com inteligência. Se, como é provável, a insistência por vezes quase incómoda dos diversos canais nos recorda o dever e a necessidade imperiosa de resistir, estão todos eles perdoados e devemos estar nós agradecidos.




Mais artigos de: Argumentos

Para um teatro após o tempo escuro

Não é a primeira vez que os teatros fecham por causa de epidemias. Na Londres de Shakespeare encerraram em várias ocasiões devido à peste. Mas reabriram. Até que os Puritanos instalados no Poder os baniram por muitos anos. Os teatros porém, voltaram a abrir. Sempre. Nem a Censura, ao longo dos...

Tudo a ferver

Notícia recente (DN de 26/3) anotava que no Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) estava «tudo a ferver» (sic) visando a operacionalização das condições para a participação das Forças Armadas no quadro do combate ao surto epidémico. De permeio, embora estejamos em Portugal, é...