Escola de Mulheres – Oficina de Teatro
Um teatro que, abordando os problemas da Mulher, fala de todos
Depois de anos de luta pela afirmação de direitos e de igualdade; centenas de poemas, romances, ensaios, filmes, peças de teatro, manifestos, manifestações; a mulher submissa e parideira para equilíbrio das contas da Fazenda Pública: «É ela a mulher quem nos salva parindo filhos sobre filhos para a emigração. Creio que só assim, parindo e gemendo, é que se equilibra a nossa balança comercial», no duro sarcasmo de Raul Brandão (Os Pescadores).
Mas a mulher libertou-se das amarras de um mundo desenhado pelo homem para a submeter: «Da mulher a casa, do homem a praça», determinava don Francisco Manuel de Mello na sua segregadora Carta Guia de Casados. Mas as mulheres desobedeceram, vieram para a rua e gritaram o seu direito à liberdade, a caminharem pela vida ao lado do homem, o direito a votar, a casar com quem lhes aprouvesse, a viajar sem pedir licença, ao prazer e ao seu corpo.
O direito à cultura e, com as Portas de Abril abertas, o direito a construir, através da criação artística, a sua própria voz. E elas fizeram cinema, escreveram, pintaram, vieram para a rua gritar, Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa/ a ver como podia ser sem os patrões/ Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos/ Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes1; elas quiseram que a sua voz, as suas interrogações, perplexidades e medos tivessem um palco e, para que essa voz tivesse eco, criaram uma companhia de teatro e chamaram-lhe, indo ao espólio de Moliére, Escola de Mulheres – Oficina de Teatro, que fez, a 8 de Março 25 anos de existência.
Elas são Fernanda Lapa, Isabel Medina e Marta Lapa, às quais se juntaram muitas outras actrizes e actores, técnicos, dramaturgos, cenógrafos, uma lista ampla e plural (na estética, nos propósitos, na época, nos géneros), iniciada em 1995 com um Manifesto, sobre a condição da mulher portuguesa, baseado em textos de Isabel Medina, Inês Pedrosa, Luísa Costa Gomes, Lídia Jorge, Maria Regina Louro, entre outras. Seguiu-se, nesse mesmo ano, As Bacantes, de Eurípedes: estava dado o mote. Depois, foi carregar baterias, encher pulmões e começar a aventura.
Das peças produzidas nestes 25 anos, saliento as de Isabel Medina, Caryl Churchill, Marguerite Yourcenar, Yannis Ritsos, Paula Vogel, Bernardo Santareno, Ingmar Bergman, Tracy Letts, Pedro Cavaleiro, Cucha Carvalheiro, de Luis Riaza, Orlando da Costa e muitos outros que Escola de Mulheres produziu ao longo de um quarto de século de actividade.
Para além da produção teatral contínua, a Escola de Mulheres organizou uma série de importantes eventos, envolvendo as áreas das literaturas afins ao teatro.
A Escola de Mulheres teve na sua génese o propósito de encenar textos que reflectissem a condição da mulher na sociedade capitalista padronizada pelo homem, quer no plano das relações mulher/homem, na cultura, na ciência, na política, na sexualidade. Contribuir, a partir das linguagens teatrais, para que questões centrais dos nossos dias, que ainda impedem a mulher de se tornar parte integrante, com identidade e vontade autónoma, fossem debatidas; a mulher sujeita a violência doméstica, a baixos salários, à solidão, à dependência económica, à prostituição. Um teatro que ao abordar os problemas da Mulher estivesse simultaneamente, a falar de todos, dos labirintos existenciais do homem contemporâneo, dos medos, dos complexos, das frustrações, da incapacidade de aceitar a diferença – de direitos e deveres que são comuns às duas metades do céu. Mulher e Homem e as suas particulares circunstâncias postas num palco em conflito dialéctico, Bernardo e Bernarda, Medeia é Bom Rapaz ou Ele, Ela ou o que quiserem, como exemplos desse singular percurso cultural.
A Escola de Mulheres assume o risco de fazer teatroque põe em causa a teia deste complexo tempo que habitamos.
Teia da qual só juntos nos libertaremos.
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1 Excertos do poema Revolução e Mulher, de Maria Velho da Costa