Sitiados

Correia da Fonseca

Ouve-se a televisão e a rádio, conversa-se com amigos e conhecidos, e uma boa parte das palavras ouvidas ou trocadas têm como assunto o vírus invisível, mas parece que omnipresente, que está a condicionar o quotidiano do lugar onde vivemos, do país, do mundo. Em verdade, parece ter desaparecido qualquer outro assunto relevante: invisível embora, o vírus passou a mandar em tudo ou quase tudo o que nos é importante (uma piada fácil exemplificaria com o caso do futebol), do que terá resultado o esvaziamento do nosso quotidiano de muito do que nos era positivo e o agravamento de muitos motivos de enfado. Sabemos, até porque isso nos é garantido por quem sabe, que este mau período da nossa vida colectiva vai passar, mas não sabemos quando nem a que preço, e essa ignorância mordisca o bem-estar que ainda nos é possível. Uma canção do sempre admirável Chico Buarque dizia, até em título, isso mesmo: que a ditadura iria passar, quer a brutalmente assumida quer a disfarçada com umas pinceladas eleitorais. Em verdade, o Brasil ainda está à espera. Por muito que gostemos do Brasil e dos brasileiros, esperemos que passe mais depressa o vírus que hoje nos cerca.

Até nisto

A televisão confirma permanentemente, pois, que estamos sitiados. Todos nós, em maior ou menor grau. Não acreditemos, porém, que todos o estamos por igual: em verdade, não é assim, e também neste caso as diferenças estão lá, embora possamos esquecê-las. Há os que podem seguir o conselho do resguardo e esperar em casa que a tempestade passe, e há os que se sentem obrigados a arriscar até ao limite possível porque as exigências da manutenção quotidiana, de «ganhar o pão de cada dia», combinadas com as condições concretas do seu trabalho, não abrandam por respeito ao vírus. Por isso são muitos (e muitas, é claro!) os que se sentem obrigados a abdicar do resguardo que lhe é aconselhado e a correr o risco de se exporem, com ou sem máscara, como se até o vírus favorecesse os cidadãos de umas classes sociais em detrimento de outras (mesmo sem ter lido Marx, pois será certo que este vírus não terá grandes leituras). Entretanto, para nosso mal, não há medicação de eficácia rápida e garantida, uma eventual vacina só a longo prazo. Restam a esperança e o resguardo possível, este mais para uns que para outros. Como sempre. Até nisto.




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