Roteiro Levantado do Chão dá a conhecer o escritor, a obra e o Alentejo insubmisso
MEMÓRIA O município de Montemor-o-Novo lançou no dia 21 o Roteiro Literário Levantado do Chão, que propõe uma viagem aos locais onde se deram os episódios mais marcantes contados na obra de José Saramago.
O Roteiro Levantado do Chão é uma iniciativa ímpar no País
No ano em que esse título maior do acervo literário do Prémio Nobel português, escrito na freguesia do Lavre, em Montemor-o-Novo, faz 40 anos, o Roteiro propõe três percursos temáticos: Os Levantados deste Chão – a Repressão da Ditadura no Alentejo; A Resistência: João Mau-Tempo e a luta do proletariado agrícola alentejano; e José Saramago em Monte Lavre (ver caixa).
Cada um deles está subdividido em vários percursos rodoviários ou pedestres, que abrangem os 26 pontos identificados como sendo de interesse interpretativo acerca do autor, da obra, mas sobretudo sobre a história da vida, do trabalho e da luta do povo daquela região. Não foi Saramago quem disse, a propósito de Levantado do Chão, que o seu sonho era «poder dizer deste livro, quando o terminasse: “isto é o Alentejo”?». Como poderia o Roteiro ser outra coisa?
O projecto, sem paralelo no País, tem um forte potencial turístico ao mesmo tempo que pretende valorizar aspectos centrais da identidade local daquelas populações, fortemente marcadas pelo fascismo, a resistência e a Revolução. Os locais escolhidos para figurar no Roteiro expressam isto mesmo.
A presidente da Câmara Municipal, Hortênsia Menino, destaca-o na Carta ao Viajante, publicada no guia do Roteiro, publicado em forma de livro: «Ao longo dos séculos de produção literária, encontramos várias formas de contar a história de um local e de um povo. Nesta obra, a história é narrada a partir das gentes do povo. José Saramago conta a história do povo, a história dos montemorenses e dos lavrenses e, com eles, desta terra que é nossa.»
A inauguração do Roteiro e a apresentação do respectivo guia ocorreram no sábado, 21, na Biblioteca Municipal. Participaram, para lá da presidente e do vereador da Cultura da Câmara de Montemor-o-Novo, Hortênsia Menino e Gil Porto, o vereador da Câmara Municipal de Évora, Eduardo Luciano, a vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, Catarina Vaz Pinto. Em representação da Fundação José Saramago e do Museu do Aljube, os seus diretores, Sérgio Letria e Luís Farinha, respectivamente. Estiveram ainda representantes das Juntas de Freguesia do concelho, parceiros fundamentais do Roteiro. Todas estas entidades colaboram na iniciativa do município de Montemor-o-Novo.
No fim-de-semana, foram inaugurados três dos percursos e realizou-se o VI Encontro Ibérico de Leitores de Saramago. A implementação faseada no terreno de estruturas e agrupamentos associados ao Roteiro, nomeadamente sinalética, apps e o Centro Interpretativo.
Roteiro passa por Lisboa, Montemor-o-Novo e Évora
Os três percursos incluídos no Roteiro somam 238 quilómetros rodoviários e oito pedestres (abrangendo os concelhos de Montemor-o-Novo, Évora e Lisboa), que se dividem em duas grandes rotas e três pequenas rotas. Neles é possível visitar os 26 pontos de interesse interpretativo sobre a obra, o seu autor e o seu contexto.
Ditadura e repressão
O primeiro percurso, Os Levantados deste Chão – a Repressão da Ditadura no Alentejo, reparte-se por Lisboa e Montemor-o-Novo. É na capital que é possível percorrer o Percurso Pedestre João Mau-Tempo, Resistência e Liberdade, que inicia na Fundação José Saramago, onde o visitante é convidado a conhecer a vida e obra do autor e o romance Levantado do Chão em particular, e passa depois pelo Museu do Aljube e pela Praça do Comércio, teminando na Estação do Terreiro do Paço. O objectivo, aqui, é recordar as prisões e as torturas do personagem João Mau-Tempo e os primeiros passos dados em liberdade após seis meses de prisão em Caxias.
O Percurso Pedestre Germano Vidigal e José Adelino dos Santos visita os locais mais marcantes dos assassinatos dos dois comunistas pelo fascismo, o primeiro em Maio de 1945 e o segundo a 23 de Junho de 1958: a praça de touros, o posto da GNR, o castelo, a câmara e o arquivo municipais. Germano Vidigal e José Adelino dos Santos são as únicas «personagens» do romance que mantêm o seu verdadeiro nome.
Resistência e revolução
O segundo percurso temático, relativo à resistência, propõe visitas a várias localidades, remetendo cada um dos locais visitados a episódios retratados na obra. A praça de touros de Évora remete para o comício anticomunista de 1937 e a localidade de Santiago do Escoural para o assassinato de Casquinha e Caravela, já em tempos de contra-revolução, e para uma igreja que no início do século XX, como o autor conta no livro, foi utilizada como escola.
Em São Cristóvão estão marcados três locais relativos a outros tantos acontecimentos do livro, relativos às personagens Domingos Mau-Tempo e Sara da Conceição: o largo, a Rua dos Sapateiros e a Taberna. Já em São Geraldo retrata-se a militância revolucionária do filho, João Mau-Tempo. No Ciborro, são temas abordados a cultura e a educação.
O escritor e a escrita
José Saramago em Monte Lavre – Pessoas e Lugares Levantados aborda não o livro e a história que o envolve, mas o processo da sua elaboração, que trouxe o escritor àquela localidade: a casa onde comia; as instalações da cooperativa onde ficou instalado; a mercearia; a casa de João Domingos Serra e Júlia Perpétua, que inspiraram as personagens João e Faustina Mau-Tempo; e a Ponte Cava, situada junto ao moinho onde, no romance de Saramago, trabalhavam os moleiros «Picanço» e «Picança», que ajudaram a família em tempos difíceis.