O dado omitido
Fiel à condição de ser um dos poucos programas da operadora pública de TV onde são examinadas questões relevantes, o «Prós e Contras» voltou a abordar o tema do racismo no nosso país, questão que visitara há uns dois anos e que o recente «caso Marega» reactualizou. Com ampla participação de intervenientes (mas não tão ampla que ali estivessem presentes vozes «mais à esquerda» do que adivinháveis conveniências permitem), a troca de opiniões aliás não exageradamente divergentes decorreu com algum eventual proveito para os telespectadores decerto minoritários que preferem este tipo de programas ao acompanhamento de telenovelas. De passagem, aproveita-se o ensejo para registar aqui que o «Prós e Contras» é um programa que, melhor ou pior, sempre apela para a inteligência dos telespectadores, assim se constituindo excepção, ainda que porventura não única, no quadro amplo da televisão portuguesa. Se aborda todos os temas que deveriam constar de uma sua imaginária ementa ou se sempre presta um impecável serviço de esclarecimento são questões outras que por agora não são aqui de imperativa abordagem, e ainda bem.
Até sem darmos por isso
Muitos foram os argumentos invocados nas diversas intervenções, e seria injusto dizer que qualquer delas se distinguiu por alguma escandalosa falta de qualidade, bem pelo contrário. Ainda assim, porém, justificar-se-á talvez notar que o colonialismo como factor potenciador, se não desencadeador, do racismo não tenha sido suficientemente denunciado. Mais ainda que essa escassez, porém, sublinhe-se a total ausência de denúncia de um concreto dado: da relação quase invisível, mas tendencialmente determinante, entre pobreza e racismo. Já nesta coluna terá sido em tempos recordado que Jorge Amado escreveu um dia que, no Brasil, negro eram o negro mesmo e o branco pobre. Aqui e agora, será difícil sustentar que um médico negro (e há vários a trabalhar no SNS, como se saberá) é menos respeitado e acatado pelos doentes que um médico branco, mas talvez a mesma paridade de consideração social não se coloque perante dois trabalhadores da construção civil, um branco e um negro. Para além disto, ocorre que o facto de um branco ser pobre e viver numa barraca é olhado como uma triste anomalia no quadro geral da sociedade, ao passo que a mesma situação tende a ser encarada como mais “natural” se se tratar de um negro e da sua família. A explicação para isso é que o racismo escorre por todas as frinchas do quotidiano. Até sem darmos por isso.