Marega e o resto
O que com algum empolamento talvez possa ser designado por «O Caso Marega», mais a celeuma que se lhe seguiu, relançaram nos «media» e porventura na opinião pública a questão de se definir se há ou não racismo no nosso país, o que sempre será diferente de nos questionarmos sobre Portugal ser ou não um país racista. Quanto a este último ponto dificilmente haverá dúvidas: o acesso a transportes e lugares públicos não é condicionado pela cor da pele, a entrada em estabelecimentos comerciais também não; raros serão os cidadãos que, por muito branquinha que seja a sua pele, tenham alguma relutância em partilhar com um negro um banco num autocarro. Ainda assim, porém, aconteceu no estádio de Guimarães o que logo foi divulgado com algum sabor a escândalo: contra um jogador da equipa visitante, um apoiante obviamente reles da equipa local arremessou um insulto racista. Seguiram-se algumas peripécias decorrentes da natural e justificadíssima indignação do jogador insultado, Marega, e, numa segunda fase, a reprovação da generalidade das gentes, como seria esperável em país civilizado onde, contudo, ainda há sujeitos que se supõem superiores graças a uma sua pigmentação menos carregada e a uma cabeça menos abastecida de valores fundamentais.
Talvez um eco
Ainda assim, porém, talvez este «incidente Marega» possa dar actualidade a uma dúvida importante: a de se saber, quanto possível ao certo, se não há resquícios de racismo na generalidade da população portuguesa. Não seria um bom método de inquirição a rejeição «a priori» de uma resposta afirmativa: séculos de colonialismo têm inevitáveis efeitos. Será certo que os portugueses não têm perante os negros a «prosápia branca» que carateriza tradicionalmente os britânicos e não só, mas o tecido social e as relações que nele se engendram decorrem de uma ampla interacção de factores. Neste quadro, seria útil saber em que ponto está a integral aceitação pela população portuguesa da independência das ex-colónias, designadamente e sobretudo entre os que fizeram as guerras coloniais em qualquer das três frentes onde elas decorreram. A agressão verbal disparada contra Marega, nascido em França mas naturalizado malinês na sequência da sua ascendência proveniente do Mali, pode talvez ser interpretada como eco serôdio de sentimentos coloniais. Por isso ainda mais cumpre a cada um de nós a sua rejeição: no Portugal democrático não há lugar legítimo para gente ainda corroída pelos restos putrefactos do colonialismo de que nos vimos livres. Graças a Abril.