O papel que conta
Na passada sexta-feira, Rui Rio, continuando o embuste da «maioria de esquerda» iniciado em 2015, dizia aos jornalistas que, ao contrário do anterior, este Governo não tinha um acordo estável nem uma maioria parlamentar, logo, poderia não chegar ao fim.
Como no passado, a estabilidade dependerá da postura do Governo
Voltemos então a 2015. Cavaco Silva, então Presidente da República, perante os resultados das eleições, a urgência de travar o declínio económico e social em curso, a luta de massas e a iniciativa do PCP, procura a todo custo segurar o PSD e CDS no poder. A obsessão foi tanta e estava tanta coisa em jogo que, a 30 de Outubro, chega mesmo a dar posse ao governo de Passos e Portas, que dez dias depois caía.
Depois de ameaças, pressões e chantagem, Cavaco exigiu um «papel com garantias», que nunca pensou que viria a haver. De uma penada, vê cair o seu governo do PSD/CDS, é obrigado a dar posse a um governo minoritário do PS, sustentado no papel por si exigido e que mais não garantia que houvesse condições para o PS formar um governo minoritário, apresentar o seu programa e entrar em funções (tal como, e sem papel, aconteceu no passado sábado com o actual Governo).
A posição conjunta do PS e PCP sobre a solução política (documento público e disponível no sitio do PCP na Internet) identificou convergências; reconheceu projectos e programas distintos que impediam outra solução política para além daquela que foi encontrada; garantiu que cada Orçamento do Estado estava sujeito a um exame comum e que do resultado dependeria opções de voto sobre o mesmo e, como não podia deixar de ser, garantiu ao PCP a sua total autonomia política.
Estabilidade depende das opções
Para além de todo o contrabando político em torno desta questão, se houve estabilidade política esta deveu-se ao caminho, ainda que limitado e aquém das necessidades, de recuperação de rendimentos e direitos por parte dos trabalhadores e populações – a partir de medidas concretas e não resultante de qualquer papel exigido por Cavaco. Muito menos se deveu à alteração de opções políticas do PS, mas sim às circunstâncias em que este chega ao poder, à luta de massas e às propostas e que, por iniciativa do PCP, o seu governo se viu obrigado a concretizar.
Embustes, ilusões, recurso à mentira, deturpação, silenciamento e ataques sistemáticos criaram condições (ainda que aquém dos objetivos pretendidos com a operação) para enfraquecer eleitoralmente e tirar força ao PCP e seus aliados e reforçar o PS e seus projectos. Daqui resultam circunstâncias diferentes das resultantes das eleições de 2015 e um cenário complexo e exigente.
Mas, tal como no passado, a estabilidade dependerá das propostas concretas que o Governo minoritário do PS venha a apresentar ou acompanhar. Esta semana deu entrada na Assembleia da República um conjunto de medidas que, a serem aprovadas, melhoram significativamente a vida dos trabalhadores e das populações. É uma oportunidade também de clarificação do PS que ou opta pela estabilidade acompanhando o PCP na defesa da contratação colectiva; no combate à precariedade; nas 35 horas para todos os trabalhadores; na contratação de mais profissionais na saúde e educação; na gratuitidade das creches para todas as crianças (entre outras), ou segue, neste novo quadro, pelo caminho da instabilidade, para o qual contará certamente com o PSD e outros, mas que, tal como no passado, acabará travado pelos trabalhadores e o povo.
Entretanto, o papel que conta, o que é decisivo e determinante, está como sempre esteve nas mãos, na organização e na luta dos trabalhadores e das populações. Uma luta que está em curso e onde sempre contaram, contam e contarão com o PCP.