Pai há só um
Há uma canção, do estilo popularizado como pimba, em que a dada altura do refrão se pergunta «mas quem será o pai da criança?». Na campanha eleitoral, num tom só na aparência mais sério, PS e BE respondem «sou eu, sou eu», procurando assumir a paternidade da solução política emanada das eleições de 2015 e das medidas de maior alcance social que ela possibilitou.
Os novos passes sociais, mais baratos e abrangentes, são disto exemplo. Hoje, não só o PS e o BE fazem deles bandeira eleitoral como até o PSD (que se lhes opôs na Assembleia da República) admitiu pela voz de Rui Rio serem uma «boa medida». Nada dizem, claro, da autoria da proposta e que foi o PCP, e só ele, que colocou no seu Programa Eleitoral de 2015, e no restrito grupo de «25 medidas urgentes», o alargamento do passe social intermodal, que desde 1997 vinha defendendo. E procuram que não se saiba que, ainda em 2016, uma proposta semelhante foi rejeitada na Assembleia da República por PS, PSD e CDS… com a abstenção do BE.
O aumento das reformas e pensões é outra matéria que PS e BE procuram capitalizar eleitoralmente: o primeiro afirmando, em grandes cartazes, que «cumprimos!», como se essa alguma vez tivesse sido uma proposta sua; o segundo arvorando o tema a «prioridade» da próxima legislatura. Obscurecendo, ambos, posicionamentos anteriores e o facto indesmentível de que se esse aumento não foi ainda maior – e podia e devia tê-lo sido – foi precisamente porque, na posição conjunta que subscreveram, esses dois partidos assentaram no mero descongelamento das reformas e pensões, com as actualizações de valores daí decorrentes. Os três aumentos extraordinários de 2017, 2018 e 2019 resultaram, sim, da proposta e persistência do PCP, que teve de vencer a resistência do PS.
Coisa parecida se podia dizer do salário mínimo nacional, que passou em quatro anos de 505 para 600, ficando assim muito longe de um valor minimamente aceitável para garantir uma vida digna aos trabalhadores e, ainda menos, para funcionar como alavanca ao desenvolvimento do País. Ora, para inviabilizar aumentos mais significativos, como os que o PCP propunha, o PS escudou-se no valor irrisório defendido pelo BE, que volta agora a avançar com uma proposta para o próximo ano inferior até à que propõe a UGT.
Se na canção não há ninguém que assuma a paternidade da criança, na política portuguesa sobram candidatos para assumir para si o que outros geraram. Mas, como diz o povo, «pai há só um».