Protecção Civil: discursos e práticas

Octávio Augusto

Pas­saram dois anos sobre os trá­gicos in­cên­dios que atin­giram Pe­drogão Grande e seis con­ce­lhos vi­zi­nhos, tra­gédia que viria a re­petir-se em Ou­tubro, no centro do País. Como o PCP então afirmou, as ra­zões para o su­ce­dido de­ri­vavam das op­ções de dé­cadas de po­lí­tica de di­reita pro­ta­go­ni­zada por PS, PSD e CDS.

Os be­ne­fí­cios pri­vados têm-se so­bre­posto ao in­te­resse pú­blico

Na al­tura não fomos ou­vidos quando aler­támos para o erro que seria le­gislar sem a de­vida pon­de­ração e de­bate. Mis­turou-se me­didas ina­diá­veis e ur­gentes com de­ci­sões e op­ções de fundo, numa cor­reria le­gis­la­tiva com grande im­pacto me­diá­tico. Pas­sados dois anos, e sem deixar de re­co­nhecer que algo mudou, su­cedem-se anún­cios de me­didas e re­formas pro­fundas, acom­pa­nhadas de mi­lhões, con­tratos e con­cursos. A si­tu­ação no ter­reno, porém, é bem di­fe­rente da di­fun­dida pela pro­pa­ganda go­ver­na­mental.

Muitas das me­didas anun­ci­adas ainda estão no papel e ou­tras são in­su­fi­ci­entes e ine­fi­cazes. Talvez por isso o Go­verno se es­quive à pres­tação de contas e não crie uma pla­ta­forma on­line onde essas me­didas sejam anun­ci­adas e quan­ti­fi­cadas.

Exige-se uma po­lí­tica de Pro­tecção Civil que, a par do com­bate aos in­cên­dios e da res­posta a ou­tras ocor­rên­cias graves, pri­vi­legie a pre­venção e a in­for­mação à po­pu­lação, pro­mo­vendo uma cul­tura de pro­tecção e se­gu­rança. O Go­verno, sem o de­bate e a re­flexão que se im­punha, aprovou le­gis­lação sobre a nova «or­gâ­nica da Pro­tecção Civil». O PCP já re­quereu a sua apre­ci­ação par­la­mentar e de­fende a sua al­te­ração.

Trata-se de uma lei que acentua a mi­li­ta­ri­zação da Pro­tecção Civil; re­força o papel da GNR, des­vi­ando-a da sua missão; al­tera pro­fun­da­mente a es­tru­tura ter­ri­to­rial, feita a pensar nas pos­si­bi­li­dades de ob­tenção de fundos co­mu­ni­tá­rios, re­le­gando para se­gundo plano as ne­ces­si­dades da missão e a es­tru­tura or­ga­ni­za­ci­onal dos agentes; au­menta ainda mais a con­fusão e a des­co­or­de­nação.

Dis­cursos e ac­ções

Apesar de o Go­verno afirmar que os bom­beiros são um «pilar es­sen­cial da Pro­tecção Civil», a ver­dade é que o seu papel tem sido su­bal­ter­ni­zado e des­va­lo­ri­zado. Em vastas zonas do ter­ri­tório, es­pe­ci­al­mente no In­te­rior, os corpos de bom­beiros têm enormes di­fi­cul­dades em cum­prir as suas mis­sões. O nú­mero de vo­lun­tá­rios di­mi­nuiu e as EIP (Equipas de In­ter­venção Per­ma­nente, que fun­ci­onam das 8 às 17 horas, ex­cepto aos sá­bados, do­mingos e fe­ri­ados…) são poucas e estão mal dis­tri­buídas.

Os in­cen­tivos ao vo­lun­ta­riado são quase nulos e ca­recem de con­cre­ti­zação, como é o caso dos be­ne­fí­cios em creche para os fi­lhos. As ta­belas re­mu­ne­ra­tó­rias, o di­reito a uma car­reira e as ques­tões da apo­sen­tação são ma­té­rias de ur­gente re­so­lução.

Questão cen­tral é o fi­nan­ci­a­mento às as­so­ci­a­ções, que ficam com uma mi­galha das verbas da ANPC, grande parte oriundas de re­ceitas de jogos so­ciais e per­cen­ta­gens dos pré­mios de se­guros. O PCP vai apre­sentar uma pro­posta que en­frente este pro­blema e in­sis­tirá no alar­ga­mento do ga­sóleo verde às vi­a­turas dos bom­beiros que, a ser apro­vado (em 2018 o PS votou contra e o PSD abs­teve-se), mi­ni­mi­zaria os graves pro­blemas fi­nan­ceiros das as­so­ci­a­ções.

Também na área da Pro­tecção Civil não são todos iguais. Há quem dis­farce as suas op­ções com pro­pa­ganda e quem tenha tra­balho e pro­posta. Há quem encha a boca com o dé­fice de meios aé­reos e ajuste os nú­meros ao dis­curso (con­ta­bi­li­zando aviões de re­co­nhe­ci­mento como meios de com­bate, no caso do Go­verno), es­con­dendo que o real pro­blema está nas ne­go­ci­atas dos meios do Es­tado e no seu des­man­te­la­mento.

Há quem tenha acor­dado agora para o SI­RESP e quem tenha de­nun­ciado os es­quemas que le­varam a que os be­ne­fí­cios dos pri­vados se so­bre­pu­sessem ao in­te­resse pú­blico. Ainda há bem pouco tempo o Go­verno pre­pa­rava-se para aplicar san­ções e agora be­ne­ficia o in­fractor com uma prenda de sete mi­lhões.

A ver­da­deira re­forma de que o sis­tema de Pro­tecção Civil pre­cisa, des­bu­ro­cra­ti­zado, mais ca­pa­ci­tado e eficaz, é parte in­te­grante da po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda que de­fen­demos.




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