Pete Seeger, semeador de canções

Manuel Pires da Rocha

Pete Seeger cantou os EUA que não vêm nas notícias

Desenganem-se os promotores de egos (próprios e alheios) e os cultivadores de celebridades: em matéria de cantigas só chega longe quem se funde na multidão. Muitas vezes chegam longe as cantigas, misturadas nas vozes anónimas que são o eco essencial; mas de quem as fez ou cantou perde-se por vezes a memória, já que o palco tanto pode ser um lugar de chamar para a cura do mundo como um espelho de auto-contemplação. Curar o mundo foi tarefa da vida inteira de Pete Seeger, que se apresentava como «semeador de canções». Nasceu faz agora 100 anos.

Foi pesado o fardo que escolheu para si. Ser «cantor de protesto» nas ruas do Império viria a dar-lhe as amarguras que são uma das recompensas dos que lutam; a outra é a permanência da sementeira. Interessou-se pela música muito jovem ainda; e pelo jornalismo, vindo a conjugar os dois ofícios ao longo da sua vida.

Passou por Harvard, onde foi colega de John F. Kennedy, mas a sua consciência apontava-lhe outros caminhos e muito melhor companhia: por volta de 1940 conheceu Woody Guthrie (que exibia no tampo da guitarra a inscrição «esta máquina mata fascistas») e com ele viria a percorrer a sua América do Norte. Foi Guthrie que o encorajou a escrever as suas próprias canções, que nasceram politicamente empenhadas e assim se desenvolveram até à incorporação no Exército dos EUA, em 1942.

De regresso a casa, depois da Guerra, Seeger retomou o ofício de compositor, cantor e estudioso do folclore do seu povo. Fundou a revista Sing Out!, divulgadora de uma América musical ao invés daquilo que era (e permanece) a indústria do entretenimento musical. Em 1948, ele fundou o quarteto The Weavers, que alcançou um assinalável sucesso. Na voz de Pete Seeger, This Land is Your Land, de Woody Guthrie, viria a transformar-se em hino da América dos povos: «Esta Terra é minha e tua, foi feita por ti e por mim!»

A Caça às Bruxas de McCarthy levaria Pete Seeger à prisão, por «simpatias comunistas» que nunca negou, recusando-se a comparecer perante a Comissão de Atividades Anti-americanas do Congresso dos EUA. Libertado, retomou o seu labor apresentando-se nas universidades e fora dos EUA, sendo banido da maioria dos programas de TV e de rádio e proibido de subir a muitos palcos durante 17 anos. Entretanto, a onda de adesão à música popular de 1960 reacende a música e as palavras de Pete Seeger em vozes como as do Kingston Trio, Peter, Paul & Mary e Limelighters, que transportaram para o ouvido universal canções como If I Had a Hammer e Where Have All the Flowers Gone.

Logo a seguir, já em ambiente rock, os Byrds levariam para uma plateia jovem as versões «eletrificadas» de Turn! Turn! Turn! e Bells of Rhymney.

Ainda nos anos 60, Pete Seeger participou nas Marchas da Liberdade em Selma, Alabama e Washington, ao lado de Martin Luther King, fazendo entrar para a História uma adaptação da canção de gospel We Shall Overcome. A canção viria a transformar-se em hino da luta pelos direitos civis nos EUA, chegando a Portugal na interpretação de Joan Baez.

Os anos passaram, a História foi-se movendo, e Pete Seeger manteve-se na multidão. Lutou contra a Guerra do Vietname com canções como Waist Deep in the Big Muddy e If You Love Your Uncle Sam (Bring Them Home) – «Se tu Amas o Tio Sam (Trá-los para Casa)» – esta última actualizada por altura da agressão imperialista ao Iraque.

No final da sua vida recebeu numerosos galardões, sublinhando uma vida de activista da Cultura norte-americana, mas também de cantor internacionalista, divulgador de canções como Wimoweh (sul-africana), Guantanamera (cubana), e Jarama, canção da Brigada Lincoln, combatente internacionalista da Guerra Civil de Espanha.

Pete Seeger cantou os EUA que não vêm nas notícias, pátria de algumas das mais importantes lutas dos trabalhadores do nosso mundo. Permanece entre nós.



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