Não podemos deixar cair no esquecimento a crise de 1969
CRISE ACADÉMICA A intolerância e a brutal repressão que se abateram sobre os estudantes de Coimbra com a PIDE, a GNR e a Polícia de Choque puseram a nu a real natureza de então sistema de opressão.
É preciso lembrar que sim, que o fascismo existiu em Portugal
Os «50 Anos da Crise Académica de Coimbra e Movimentos Estudantis» foram alvo de um colóquio organizado pela Câmara de Grândola, no passado dia 14. Na Sociedade Grandolense, onde decorreu o evento, moderado por Alcides Bizarro, chefe de divisão da Cultura da autarquia, esteve Albano Nunes, da Comissão Central de Controlo do PCP, e Rui Pato, activista do movimento estudantil e guitarrista que acompanhou durante largo tempo Zeca Afonso.
«Eu fui participante empenhado nas lutas estudantis de 1962/64 e, já na clandestinidade, como funcionário do PCP, acompanhei de perto a Crise Académica de Coimbra, cujos 50 anos agora comemoramos», foi como Albano Nunes explicou a razão da sua presença ali.
Convém lembrar que a crise não eclodiu no preciso momento em que o presidente da Associação Académica, no dia 17 de Abril de 1969, pediu a palavra na sessão solene da inauguração do Edifício das Matemáticas, acto presidido pelo
Presidente da República Américo Tomás, que, depois de um «mas primeiro vai falar o senhor ministro das Obras Públicas», abandonou atabalhoadamente o local com a comitiva do costume. A verdade é que, desde a revolta dos universitários de Lisboa, em 1962, se sentia o pulsar da agitação e descontentamento no meio estudantil e a iminência de um choque frontal com o poder.
Por isso, frisou Albano Nunes, a crise é um «daqueles acontecimentos históricos que não podemos deixar cair no esquecimento por duas razões fundamentais». E passou a identificá-las. «A primeira, porque, num tempo em que por essa Europa fora crescem perigosamente forças de extrema- direita e quando em Portugal não falta quem tente silenciar e mesmo branquear a ditadura que oprimiu os portugueses durante quase meio século, é preciso lembrar que sim, que o fascismo existiu em Portugal, profundamente obscurantista e extremamente explorador e repressivo. A intolerância e a brutal repressão que se abateram sobre os estudantes de Coimbra com a PIDE, a GNR e a Polícia de Choque puseram a nu a real natureza daquele sistema de opressão».
A segunda, «porque as jornadas de 1969 constituem um exemplo valioso do papel desempenhado pelas lutas populares no aprofundamento da crise do fascismo e em todo o processo da revolução portuguesa». E mais: «Quando a classe dominante mente reescrevendo a história como se o povo, a sua resistência e a sua luta fossem coisa secundária, é preciso afirmar a verdade de que a luta popular de massas, envolvendo todas as classes e camadas anti-monopolistas, foi o motor da revolução e continua a ser hoje o motor da luta por um Portugal com futuro».
No entanto, esta não foi uma luta que «caiu do céu, nem pretendeu mimetizar experiências e luta estudantil de outros países, nomeadamente Maio de 1968, como por vezes é afirmado», chamou a atenção Albano Nunes. Todavia, reconhece que «nunca poderia escapar à influência de um tempo em que avultam acontecimentos internacionais tão importantes como a guerra do Vietname ou os avanços do movimento operário e da luta anti-colonial, nem poderia ser completamente imune a polémicas e divisões no movimento revolucionário no plano internacional».