Democratização da terra a quem a trabalhe é essencial para o progresso do mundo rural
POSSE E USO DA TERRA O PCP debateu, no dia 5 de Abril, em Serpa, a «Posse e uso da terra no Alentejo. Situação e perspectivas».
Quem tem a posse da terra e como a usa é uma questão central
«A terra tem ou deve ter uma função social, por isso, quem tem a posse da terra e como a usa é uma questão central», disse, na abertura dos trabalhos, João Dias Coelho, da Comissão Política, lembrando que nos últimos 30 anos «milhares de agricultores tiveram que deixar de trabalhar a terra», por «falta de políticas públicas de apoio à produção» e «porque a Política Agrícola Comum (PAC), imposta pela União Europeia (UE), e a política de direita, no plano nacional para a agricultura, conduziu ao encerramento de milhares de explorações agrícolas e pecuárias, levando ao despovoamento do interior».
Paralelamente, assistiu-se à concentração fundiária em sociedades agrícolas, num processo «inerente ao sistema capitalista». «No Alentejo, seja por razões históricas, seja pelas próprias características da região, a concentração fundiária em grandes extensões de terra e a sua apropriação por poucos, independentemente de quem são, tem sido uma realidade», apontou o dirigente comunista, salientando que «a questão do questionamento e luta ancestral em torno do problema da posse e do uso da terra mantém-se».
Entretanto, décadas passadas sobre a destruição da Reforma Agrária, o PCP considera que é necessário, entre outras linhas de trabalho, fazer uma gestão racional da água; valorizar, proteger e apoiar o montado tradicional de sobro e azinho; estimular a produção pecuária; valorizar o trabalho e os trabalhadores; combater a exploração de que são alvo milhares de imigrantes; apoiar os pequenos e médios agricultores e combater o predomínio do agro-negócio das multinacionais.
Reclamando a «distribuição equitativa da terra a quem a queira trabalhar», o Partido considera que o «sector específico da agricultura e da área agro-alimentar» deve «integrar um Plano de Apoio à Base Económica Regional (do Alentejo), que contemple, por exemplo, «a criação de uma Reserva Estratégica de Terras», intervenha «sobre o preço dos factores de produção» e estabeleça a «obrigatoriedade da aquisição à produção agro-alimentar nacional, através de quotas progressivas», elencou João Dias Coelho.
Realidade conhecida
À intervenção do membro dos organismos executivos do PCP, seguiu-se um conjunto de intervenções centrais que abordaram a estrutura ocupacional e a concentração da propriedade da terra (José Figueira), que permitiu concluir que as maiores explorações representam 90 por cento da Superfície Agrícola Útil e que o subaproveitamento é cada vez mais marcante. Em contra-ponto, em outras zonas, culturas intensivas esgotam potencialidades e minam recursos, como revelou detalhadamente Inês Fonseca, pegando no caso do olival intensivo.
Relacionado com a posse e uso da terra e com o seu abandono ou sobre-exploração, bem como do trabalho humano que nalguns não-raros locais roça a escravatura, está a questão da água. E a este último aspecto ateve-se José Pós-de-Mina, recordando, a propósito, que «o PCP defende a elaboração de um plano que hierarquize o uso da água, em função da seca; que combine usos subterrâneos e superficiais numa lógica de complementaridade, privilegiando o uso humano, a saúde pública e a pequena e média agricultura, adaptado às condições edafo-climáticas e salvaguardando os rendimentos dos trabalhadores. É essencial que a intervenção nesta área tenha por base a titularidade e a gestão pública da água e a assunção clara das responsabilidades que cabem a todos os intervenientes».
Na iniciativa realizada em dois períodos na Sala da Abóbada do Cine-Teatro de Serpa, Abílio Fernandes fez uma síntese do percurso desde a Reforma Agrária até à actualidade, notando que apesar de se verificar a dual convivência entre agro-negócio latifundiário nas zonas influenciadas pelo Alqueva com explorações mais ligadas às culturas e formas de produção seculares, as terras do Alentejo encontram-se crescentemente marcadas pelo absentismo e o sub-aproveitamento, pelo definhamento da vida rural e pela absorção dos apoios por uns poucos.
Alternativa
Já depois de um período de debate com a plateia e da intervenção de Laura Tarrafa, candidata da CDU às eleições para o Parlamento Europeu, que caracterizou a PAC e o seu papel na ruína da pequena e média agricultura nacional, coube a João Frazão encerrar o debate, dando relevo às questões centrais arroladas por cada um dos intervenientes, em particular sobre os múltiplos problemas colocados pelas explorações intensivas.
O também membro da Comissão Política do PCP, concluiu, depois, que «os problemas que persistem não encontrarão resolução enquanto o Alentejo continuar submetido ao caduco sistema do latifúndio, entendido não apenas como o conjunto das propriedades com grande e muito grande dimensão, mas como um sistema de exploração da terra assente numa atitude parasitária, rentista e de forte exploração da mão-de-obra agrícola assalariada», defendendo que «num tempo marcado pelo imenso défice estrutural de produção de bens agro-alimentares que põe em causa, não apenas a nossa soberania alimentar, mas mesmo a soberania nacional; num momento de forte abandono dos campos e das produções, quando, pelas regras da Política Agrícola Comum e imposições da União Europeia, umas poucas centenas de grandes agrários recebem milhões de euros sem que lhes seja exigida a produção de um grama sequer de alimentos; quando a milhares de homens e mulheres alentejanos é negado o direito ao emprego e a uma vida digna, importa retomar o debate sobre o uso destes campos e sobre o direito de milhares de operários agrícolas a trabalhar terras ou que estão de pousio, ou que estão nas mãos de uns poucos, e podem ser pão e riqueza nacional, com os impactos que isso poderia ter na agro-indústria a montante e a jusante».