A agressão quase omitida
É provável que a atenção dos frequentadores dos «media» em geral tenha sido capturada nos dias mais recentes pela robusta ofensiva desencadeada pela direita a propósito dos vínculos familiares entre membros do executivo ou simplesmente da área governativa. Quem os ouviu, aos porta-vozes indignados pelos parentescos denunciados, até poderá suspeitar de que os escandalizados estão mais atentos ao eventual facto de um ministro ser primo de um secretário de Estado que à possibilidade de ambos, sem qualquer vínculo familiar entre si, serem incompetentes ou muito talentosos na arte de, do alto dos seus maiores ou menores poderes governativos, espoliarem a larga maioria dos cidadãos para benefício de minorias. Como bem se sabe, esta peculiar competência foi a característica dominante do governo Passos Coelho/Paulo Portas, que não precisou de mobilizar parentes próximos ou distantes para impor uma governação abundante em injustiças brutais como já não era esperável termos de suportar depois de Abril. Poderá dizer-se, pois, que a grande questão não reside no eventual facto de num governo coexistirem o primo A e o primo B, mas sim a de, sem quaisquer parentescos internos, um executivo se aplicar a por qualquer forma oprimir a maioria dos portugueses, isto é, a trair a democracia.
Onde está a sabedoria
De qualquer modo, não seria saudável que da ofensiva eleitoraleira desencadeada a pretexto dos tais parentes e intensamente apoiada por operadoras de TV resultasse, como efeito cumulativo, que esquecêssemos o que vai pelo mundo. Aí volta a ter responsabilidades a televisão que quotidianamente nos vem contar o que por aí fora vai acontecendo, mas muito à sua maneira. Bem o sabemos, mas é bom que nunca o esqueçamos: ela encarrega-se de escolher assuntos e sobretudo o ângulo e o grau de destaque que cada caso merece, e decerto por isso mesmo quase terá despercebida a anunciada intenção de Israel de avançar para os montes Golan, na direcção da Síria, e de reforçar os colonatos que são como tumores israelitas implantados na agredida Cisjordânia. A criação do Estado de Israel ocorreu, como se sabe, muito ao abrigo da comoção suscitada pelo conhecimento dos crimes antijudaicos praticados pelo nazismo, mas sempre funcionou como implantação de uma testa-de-ponte dos interesses norte-americanos no Médio Oriente. Deste facto até uma prática noticiarista ou telenoticiarista de apoio a Israel vai o salto de uma cobra, como se dirá usando uma expressão popular: as permanentes acções agressivas de Israel beneficiam não apenas da efectiva cumplicidade política à escala internacional mas também de uma insuficiente denúncia por parte da comunicação social que, sem as omitir, lhes reduz a gravidade e consequentemente o impacto. Há, como se sabe, muitas formas de cumplicidade. A sabedoria estará na escolha.