O 25 de Abril e as Artes Visuais

Manuel Augusto Araújo

O 25 de Abril ca­ta­lizou mo­vi­men­ta­ções po­pu­lares em todos os sec­tores da vida na­ci­onal, muitos já exis­tiam e ad­qui­riram novo im­pulso li­bertos das garras da re­pressão, ou­tros es­tavam la­tentes, prontos a surgir. Os ar­tistas plás­ticos nunca foram in­di­fe­rentes à re­pressão fas­cista, em­bora já es­ti­vessem lon­gín­quos os tempos em que o re­gime as­sal­tava ex­po­si­ções de artes para re­tirar obras, como acon­teceu nas Ex­po­si­ções Ge­rais de Artes Plás­ticas, or­ga­ni­zadas pela Sub­co­missão das Artes Plás­ticas do MUD, que de­cor­reram de 1946 a 1956, na So­ci­e­dade Na­ci­onal de Belas-Artes, que de­pois do su­cesso da pri­meira foram su­jeitas a cen­sura prévia a partir de 1948 e uma edição proi­bida em 1952.

Na­tu­ral­mente, os ar­tistas plás­ticos ra­pi­da­mente se or­ga­ni­zaram num Mo­vi­mento De­mo­crá­tico dos Ar­tistas Plás­ticos (MDAP) e, no dia 27 de Abril, re­pre­sen­tados por Ro­gério Ri­beiro, Júlio Pomar, Júlio Pe­reira, Vitor Palla, Nuno Sam­payo e David Evans, ir­rom­peram pelo Pa­lácio Foz e em­bru­lham em plás­tico negro a es­tátua de Sa­lazar im­plan­tada no pátio prin­cipal. O lema era A arte fas­cista faz mal à vista. E fazia mesmo, para os olhares es­tu­pe­factos dos fun­ci­o­ná­rios dos ser­viços de pro­pa­ganda do re­gime, da cen­sura e da clas­si­fi­cação dos es­pec­tá­culos que aí fun­ci­o­navam e es­prei­tavam te­me­rosos, por de­trás das ja­nelas, a ver onde pa­ravam as modas.

A se­gunda acção do MDAP foi mar­cante no pa­no­rama ar­tís­tico por­tu­guês. De­ci­diram de­mo­cra­tizar o 10 de Junho, o mal­fa­dado Dia da Raça fas­cista, numa grande festa no Mer­cado do Povo, em Belém, pin­tando uma enorme tela di­vi­dida em 50 qua­drados de 1m x 1m, en­tregue a 49 ar­tistas, um dos qua­drados as­si­na­lava a au­sência de Dias Co­elho, as­sas­si­nado em 1961 pela PIDE.

Os ar­tistas plás­ticos mos­travam-se em­pe­nhados com a Re­vo­lução. Fa­ziam-no de modo di­verso até pelas idi­os­sin­cra­sias pes­soais e pela evo­lução do mer­cado das artes. Ves­peira co­la­bora de perto com o MFA, de­se­nhando o seu sím­bolo e al­guns car­tazes dos seus mo­mentos-chave. João Abel Manta de­dica-se a pro­duzir car­toons que, com a cer­teza ci­ne­ma­to­grá­fica dos golpes de kung-fu, traçam a his­tória da Re­vo­lução até ao 25 de No­vembro.

Mas são as pa­redes o grande veí­culo que muitos ou­tros ar­tistas uti­li­zaram para de­mons­trar o seu apoio à Re­vo­lução. Por todo o País – des­taque para Lisboa, Porto e Alen­tejo – as pa­redes são pre­en­chidas por pa­la­vras de ordem ilus­tradas e por mu­rais. As pa­redes, que mesmo du­rante o fas­cismo nunca se ca­laram, re­vi­viam co­lo­ridas de forma cri­a­tiva.

Du­rante vá­rios anos o PCP des­tacou-se nessa ac­ti­vi­dade. Os mu­rais eram exe­cu­tados nor­mal­mente em pa­redes va­zias, al­gumas de­gra­dadas, que eram ocu­padas para trans­mitir men­sa­gens po­lí­ticas uti­li­zando pro­cessos ar­tís­ticos. O PCP, com forte im­plan­tação entre os ar­tistas plás­ticos, com al­guns dos me­lhores ar­tistas de vá­rias ge­ra­ções, pro­duziu os mais es­pec­ta­cu­lares mu­rais em todo o País. Eram mu­rais em que à grande li­ber­dade cri­a­tiva de cada um dos ar­tistas se pro­cu­rava e con­se­guia uma uni­dade final. Mu­rais con­de­nados a de­sa­pa­recer por ra­zões de vária ordem.

Com pro­cessos se­me­lhantes, com o con­tri­buto de 30 ar­tistas, re­a­lizou-se um painel que re­correu a ma­te­riais du­rá­veis, ce­râ­micos e de betão mol­dado, que está no centro de tra­balho do PCP na Rua So­eiro Pe­reira Gomes, para me­mória fu­tura desses muitos ou­tros de que só existem re­gistos fo­to­grá­ficos.




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