Racismo e problemas sociais não são a mesma coisa

Rui Fernandes

Para combater o racismo é preciso assumir que ele existe

O racismo existe! Afirmá-lo nada tem de esquizofrénico ou de invenção. Combatê-lo é necessário e para o fazer é preciso não fingir que ele não existe. Associar racismo aos denominados bairros problemáticos é um equívoco. Um branco que more num desses bairros também sente a discriminação, basta ir a uma entrevista de emprego ou a um comércio pedir para levarem algo a casa ou telefonar a encomendar alguma coisa e logo o «azeite» vem ao cimo. Se mora ali é porque… Se morar na Quinta da Marinha é um cidadão imaculado, mesmo que meta a chamada mão na tulha aos milhões.

Ser preto e morar num desses bairros exponencia a desconfiança. Mas há diferentes tipos de «bairros problemáticos» – os em que prédios foram ocupados em dada altura; outros em que o senhorio é o Estado que há muito desprezou as suas obrigações; outros, ainda, os chamados bairros de barracas. Morar num desses bairros não é sinónimo de viver à conta do rendimento de inserção. Nesses bairros há gente que trabalha, muitos saem cedo e chegam tarde.

A opção de deles sair não se coloca para muitos, já que a possibilidade de sustentarem as despesas é uma miragem. Noutros casos, as relações sociais que se estabeleceram, as interajudas que foram construidas, os laços familiares existentes, pesam na decisão de não sair. Noutros ainda, importa dizê-lo, num dado momento das suas vidas deixaram de pagar renda e assim estão, acomodados, mesmo que hoje a sua situação pudesse permitir satisfazer o seu pagamento, atendendo, claro está, ao rendimento que auferem.

Cumprir a Constituição

Olham as forças de segurança com os mesmos olhos para um bairro assim denominado como olha para qualquer outro? Seria de um grande cinismo dizer que sim. Não! Não olham. E se não olham é óbvio que isso influi no modo como cada agente se sente quando tem de ir a um bairro desses ou a um dos outros. Isto não é sinónimo de se estar a dizer que quando lá vão, vão com o intuito de bater ou vão com uma atitude racista. Sabem é que vão a um bairro onde a presença da policia é olhada com desconfiança.

Uma desconfiança de uns e de outros que foi construída de casos; um ambiente de desconfiança que, na maior parte das situações, serve uma ínfima minoria. Há ainda bairros em que em dado momento da sua existência eram fonte de muita conflitualidade e/ou delinquência e que, entretanto, com o passar dos anos isso se desvaneceu, mas o «carimbo» ficou-lhe colado. Mas o que foi referido para as forças de segurança também pode ser aplicado aos centros de saúde onde as pessoas desse bairro vão, etc., etc.

Quer isto dizer que não são prestados cuidados ou são prestados piores cuidados? Não! Longe disso, mas há sempre o sussurro: «se é daquele bairro ...».

Quando se ouve dizer que são precisos mais estudos, mais análises, etc., a primeira reacção é de pôr os cabelos em pé, porque há quem faça disso um modo de vida. Ou seja, venha o subsídio para mais um estudo, que dá origem a mais um livro e assim sucessivamente. Não se nega a necessidade de estudos regulares que ajudem a perceber as situações e medidas a adoptar.

Mas isso não pode ser sinónimo de paralisia e, em muitos casos, há evidências sociais que não precisam de mais estudos. Seja no plano do realojamento, seja no plano da requalificação habitacional, seja no arranjo do espaço público, seja na potenciação e projecção cultural, seja na realização de iniciativas que envolvam socialmente as respectivas populações, escola, forças de segurança, centros de saúde, etc. É preciso mais dinamismo e espírito de iniciativa e menos acção burocrática e posturas de enfado.

Cumprir e fazer cumprir o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa é, afinal, aquilo que é necessário e, para o fazer, é necessário não recusar cumprir muitos outros artigos que a Constituição contém. É mesmo necessário colocar os valores de Abril como projecto de futuro.




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