A unir a Europa

Henrique Custódio

No programa da RTP Mundo sem muros, integrado por jornalistas estrangeiros em Portugal, uma das intervenientes, a propósito da «luta dos coletes amarelos» a decorrer em França, proferiu uma frase: «neste momento, o que parece unir a generalidade dos europeus é o descontentamento».

A frase é certeira. O descontentamento europeu vem em crescendo e liga-se directamente à União Europeia. A UE foi criada com abundantes promessas de prosperidade, assente em princípios de co-solidariedade que nunca se cumpriram e, de Tratado em Tratado, o que a instituição criou foi uma moeda única como instrumento económico do grande capital (que agora também se rearruma em «grupos empresariais», «consórcios», «fundos de investimento» e numa panóplia de mecanismos de especulação bolsista), um vasto mercado único sem fronteiras comerciais ou de circulação e com um funcionamento que seguiu a cartilha capitalista: controlo dos mais fracos na economia e no desenvolvimento através da velha ditadura do défice, que esmifra países e povos com juros usurários e os impede de se desenvolverem, incluindo através de mecanismos impositivos não eleitos nem escrutinados, como o Eurogrupo (que nem faz actas das suas reuniões), mas que em tudo manda, na actual política da UE e dos países que a integram.

Dito de outra forma, o capitalismo na Europa engendrou, com a feitura da União Europeia, uma concentração de mercados, recursos e sinergias só possíveis se a quadrícula de territórios, nacionalidades e culturas que é a Europa aceitasse ser tangida por um capitalismo central, dirigido obviamente por quem concentra a riqueza e o poder.

Para o conseguir, tinha de convencer os países e os povos da bondade colectiva desta solução. Foi o tempo dos «fundos europeus», que em Portugal permitiram a Cavaco Silva encher o País de vias rodoviárias (somos, actualmente, dos países europeus com mais autoestradas) e, de caminho, ir destruindo a indústria e a pesca que havia, tal como a agricultura, chegando a UE ao ponto de pagar campos em pousio e o abate de barcos de pesca.

Encurtando razões, foi assim que chegámos à situação actual, sem indústria nacional e com actividade quase residual na agricultura e nas pescas, mas com excelentes estradas e auto-estradas para importar «da Europa».

Em França, a política de Macron (mas também de Holande, de Sarkozy, de Chirac...), conduzida dentro das baias da UE, levou o mundo do trabalho a situações de precariedade dramática, rebentando o descontentamento em toda a França com estas manifestações do «colete amarelo».

Se acrescentarmos os descontentamentos na Itália, na Grécia, em Espanha, na Holanda ou em Portugal, há, de facto, razões para se dizer que é ele que já está a unir a Europa.




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