Direito à greve

Henrique Custódio

Quando há greve nos trans­portes pú­blicos, é ga­ran­tido: as te­le­vi­sões acorrem às es­ta­ções de com­boio ou de au­to­carro a in­quirir os utentes sobre «a in­co­mo­di­dade» da si­tu­ação, re­co­lhendo tes­te­mu­nhos a de­sancar nos con­tra­tempos que, ju­di­ci­o­sa­mente, as re­por­ta­gens pa­recem con­verter em tes­te­mu­nhos contra a greve. E em vá­rios casos até são, porque a in­co­mo­di­dade é muita, mas o que as te­le­vi­sões nunca ob­ti­veram dos «utentes» foi um tes­te­munho subs­tan­tivo, de­cla­rado e nu­me­roso contra a forma de luta da greve, até porque a ge­ne­ra­li­dade das pes­soas que se des­locam em trans­portes pú­blicos são gente de tra­balho, que sabe na pele como elas mordem nos con­frontos la­bo­rais.

Ul­ti­ma­mente, as greves têm alas­trado no nosso País, fer­vi­lhando o des­con­ten­ta­mento ge­ne­ra­li­zado de pro­fis­sões nos portos, na Saúde, na Edu­cação ou na Jus­tiça, lu­tando contra a fra­gi­li­dade ou ine­xis­tência das car­reiras e por ta­belas sa­la­riais con­dignas. Um des­con­ten­ta­mento contra os tor­ni­quetes da UE que alastra por Paris e pela Eu­ropa fora, anote-se.

Uma houve que, fi­nal­mente, deu opor­tu­ni­dade a vá­rios fa­ze­dores de opi­nião de ex­tra­va­sarem a sua in­dis­far­çada aversão à greve: foi a dos guardas pri­si­o­nais, cuja luta pelas car­reiras pôs os pre­sí­dios em pé-de-guerra, com os re­clusos a pro­testar contra a de­sar­ti­cu­lação dos ho­rá­rios das vi­sitas.

Este pro­testo le­gí­timo e jus­ti­fi­cado dos pri­si­o­neiros pa­rece ter feito duas coisas, nos ór­gãos de co­mu­ni­cação: de­sen­ca­dear uma re­pen­tina pre­o­cu­pação com o bem estar dos re­clusos e abrir uma ofen­siva contra a le­gi­ti­mi­dade da greve dos guardas pri­si­o­nais, que re­pen­ti­na­mente fi­caram es­bu­lhados, por estes fa­ze­dores de opi­nião, do seu di­reito cons­ti­tu­ci­onal à luta.

Mas não fi­caram por aí, também de­sen­co­varam te­o­rias sobre a «le­gi­ti­mi­dade da greve» quando estão em causa «di­reitos das pes­soas», res­va­lando com in­sídia para o «bem pú­blico» que as greves lesam e como se o «bem pú­blico» não fosse res­pon­sa­bi­li­dade ex­clu­siva do Go­verno. Duma pe­nada, trans­formam os tra­ba­lha­dores em «pre­va­ri­ca­dores so­ciais» o que, em subs­tância, não se dis­tancia da proi­bição fas­cista dos sin­di­catos e das greves. Fe­liz­mente que a Cons­ti­tuição ins­creveu o di­reito ina­li­e­nável ao sin­di­ca­lismo e à luta sin­dical, se não já te­ríamos estes bonzos a rosnar proi­bi­ções, como fez o re­a­ci­o­nário exul­tante João Mi­guel Ta­vares no Pú­blico, de­fen­dendo a proi­bição da greve aos fun­ci­o­ná­rios pú­blicos - proi­bição que já se faz, diz, «em países como o Lu­xem­burgo e a Po­lónia» e na «maior parte dos es­tados» dos EUA – e, como não teve co­ragem para as­sumir a proi­bição, ca­mu­flou-a pro­pondo a «dis­cussão do as­sunto» e de­fen­dendo a aber­ração ci­vi­li­za­ci­onal que ocorre nos países ci­tados como «exemplo» a se­guir por todos.

As ame­aças da ex­trema-di­reita também tri­lham por estes bonzos.




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