Conferência afirma e explicita a política patriótica e de esquerda

PROJECTO Nas várias intervenções proferidas na Conferência do PCP do passado sábado ficou claro o projecto de desenvolvimento, progresso e soberania que os comunistas têm para o País e o caminho para o concretizar.

Pela tribuna da Conferência passaram quase 30 oradores, que centraram as suas intervenções na análise da situação nacional e internacional (ver caixa) e, sobretudo, na afirmação da política patriótica e de esquerda. Não houve aspecto central que tenha ficado esquecido.

No plano da Economia, José Alberto Lourenço, da Comissão de Actividades Económicas (CAE), apresentou os eixos centrais da política económica de que o País precisa, baseada na defesa e promoção da produção nacional, substituição de importações, melhoria do nível de vida dos portugueses, recuperação para o sector público dos sectores estratégicos da economia, controlo público do sector financeiro, renegociação da dívida. Algumas destas matérias foram desenvolvidas por outros oradores.

Foi o caso, por exemplo, de Vasco Cardoso, da Comissão Política, que reafirmou a proposta do PCP de renegociação da dívida. Muito embora o peso da dívida e do seu serviço tenham baixado nos últimos anos, graças à reposição de rendimentos, esta é, ainda, uma questão decisiva: nos próximo cinco anos Portugal gastará no serviço da dívida 34 mil milhões de euros (a somar aos 78 mil milhões da última década), que poderiam ser canalizados para o desenvolvimento nacional.

Miguel Tiago, da CAE, acusou os sucessivos governos de terem despejado para a banca privada milhares de milhões de euros sem que tal resultasse no reforço do controlo estatal sobre o sector. Hoje, a banca nacional (maioritariamente em mãos estrangeiras) consolida práticas de «extorsão, cobrando taxas, comissões e spreads cada vez mais elevados». O controlo público, garantiu Miguel Tiago, «não representa, em si mesmo, uma solução, mas constitui sem dúvida uma condição para a solução».

Soberania é determinante

Armindo Miranda, da Comissão Política, traçou o panorama da destruição de grande parte do aparelho produtivo nacional às mãos de PS, PSD e CDS. Este processo, ainda em curso, encerrou poderosas unidades industriais e deixou milhares de hectares de terra ao abandono. Para inverter esta situação, garantiu Armindo Miranda, o Estado tem de assumir «um papel dinamizador nas actividades económicas, nomeadamente na indústria, agricultura e pescas».

De soberania energética falou Fernando Sequeira, da CAE, que revelou dados preocupantes da dependência nacional, situada nas últimas décadas entre os 80 e os 90 por cento. Dado o «carácter crescentemente estratégico do factor de produção “energia”, é indiscutivelmente ao Estado que deverá caber o controlo do sector», afirmou, realçando a necessidade de fazer regressar à posse do Estado as empresas outrora públicas que o compõem.

João Frazão, da Comissão Política, referiu-se à soberania alimentar do País, que se encontra longe de estar assegurada, devido a opções políticas nacionais e da UE. Apesar de condições geográficas e climatéricas favoráveis à produção de cereais, carne, leite ou pescado, Portugal é amplamente deficitário em todas estes produtos. Só com uma política como a que defende o PCP, centrada no desenvolvimento da produção nacional e no apoio aos produtores, será possível inverter esta perigosa situação.

Paula Santos e Eduardo Vieira, ambos do Comité Central, em duas das intervenções proferidas no espaço de debate, realçaram aspectos particulares mas importantes para a soberania do País: a política do medicamento e o sector aeroportuário, ambos dominados por interesses privados.

Valorizar direitos

A questão decisiva da valorização do trabalho e dos trabalhadores foi sublinhada por Francisco Lopes, dos organismos executivos do Comité Central, que denunciou a permanência no País de gritantes injustiças e desigualdades. Aumentar salários, dignificar horários, garantir direitos, combater a precariedade e revogar as normas gravosas da legislação laboral são questões relevantes para os trabalhadores como para o desenvolvimento harmonioso do País.

Adelaide Alves, do Comité Central, abordou as questões relacionadas com a Segurança Social, destacando os avanços registados nos últimos anos – aumento das reformas, valorização de prestações sociais, etc. –, que, lembrou, poderiam e deveriam ter sido mais profundos. A realidade, porém, mostra que só com a política patriótica e de esquerda que o PCP propõe «serão defendidos os direitos de todos os portugueses à Segurança Social».

De direitos e rendimentos falou também Margarida Botelho, da Comissão Política, que se centrou na «vida real das crianças e suas famílias». Pobreza, desemprego, precariedade, emigração, falta de respostas sociais são questões decisivas para a opção de muitos jovens casais criarem, ou não, uma família. «Quem tem filhos fica praticamente por sua conta e risco», afirmou, realçando que esta é uma realidade que o PCP quer alterar.

Igualmente da Comissão Política, Fernanda Mateus reafirmou as prioridades do PCP relativamente às mulheres: prevenir e combater todas as discriminações que as atingem de forma específica, eliminar todas as formas de exploração e violência praticadas contra elas e, ainda, promover o exercício pleno dos seus direitos, na família, no trabalho, na vida social, política, cultural e desportiva.

Ricardo Brites, da JCP, lembrou os «brutais ataques à emancipação da juventude, à sua formação enquanto indivíduos integrantes da sociedade», que se fazem sentir em várias frentes. Em seguida, apresentou um vasto conjunto de propostas para assegurar uma educação verdadeiramente pública, universal, gratuita e de qualidade, emprego com direitos e acesso à cultura e ao desporto.


Só se transforma o que se conhece

Sem uma análise rigorosa da situação concreta do País, da União Europeia e do mundo não seria possível ao PCP apontar com acerto a sua proposta de política alternativa patriótica e de esquerda. Várias intervenções centraram-se nesta questão decisiva.

Albano Nunes, da Comissão Central de Controlo, abordou a crise do capitalismo e sua expressão no País, identificando a existência de «fortes condicionamentos externos ao desenvolvimento independente de Portugal», que o PCP reconhece «não para se conformar com eles mas para os combater». A defesa da soberania e da independência nacionais é, para o Partido, uma «questão de princípio e de identidade em que patriotismo e internacionalismo são inseparáveis».

João Ferreira, membro do Comité Central e deputado no Parlamento Europeu, lembrou os avisos e previsões do PCP sobre a União Europeia e sua natureza, a que a vida «veio dar razão». O confronto, garantiu, é irreconciliável: «ou as políticas da União Europeia, suporte da política de direita das últimas décadas, ou uma alternativa progressista e democrática, que, para o ser, terá de afirmar corajosamente a soberania e a independência nacionais».

Referindo-se à situação nacional, Agostinho Lopes, do Comité Central, realçou os défices e estrangulamentos que 40 anos de política de direita impuseram ao País e a dependência criada pela UE e pelo euro. Os últimos três anos, muito embora revelem as potencialidades da convergência de forças democráticas e de esquerda, garantiu, deixam à vista que uma efectiva mudança exigiria a «ruptura com as políticas estratégicas do PS».

João Oliveira, da Comissão Política, fez um balanço da nova fase da vida política nacional, considerando «limitadas» as possibilidades abertas pelo quadro resultante das eleições de 2015. A correlação de forças na Assembleia da República não corresponde, portanto, à que seria necessária no plano institucional para «concretizar a alternativa política», sublinhou o presidente do grupo parlamentar do Partido. Quanto ao PCP, contribui «com a força que tem» para os avanços alcançados.

Reflectindo sobre aspectos relacionados com a luta ideológica, Paulo Raimundo, do Secretariado, sublinhou os instrumentos «incomparavelmente superiores» de que dispõem as forças e sectores que se opõem à alternativa patriótica e de esquerda para difundirem as suas ideias, contrárias a qualquer alteração, por menor que seja, que ponha em risco os seus interesses. Os comunistas, os trabalhadores e o povo contam com os seus meios próprios, as suas organizações e a sua luta.

Da análise para a acção, Jaime Toga, da Comissão Política, destacou o processo de luta que conduzirá à alternativa patriótica e de esquerda, lembrando que esta nascerá da «convergência de todos os atingidos pela política de direita, de todos os democratas e patriotas», do alargamento da luta de massas e do reforço do PCP. «Nós, comunistas portugueses, confiantes e empenhados, lutamos pela política patriótica e de esquerda, com um governo que lhe dê corpo», concluiu.


Uma proposta política global

Na conferência foram apresentadas propostas para os mais relevantes sectores da vida nacional. No caso da saúde, Jorge Pires, da Comissão Política, garantiu que reforçar o SNS é a única forma de garantir a universalidade da prestação de cuidados de saúde. Alertando para os interesses que gravitam neste sector, o dirigente comunista acrescentou que, em saúde, «quem faz melhor e mais barato é o público e não o privado». Defender o SNS é, concluiu, «indispensável à promoção da saúde e do desenvolvimento do País».

Sobre educação e cultura interveio Manuel Rodrigues, também da Comissão Política, que destacou a contribuição de ambos os sectores para a «formação integral do indivíduo». Talvez por isso sejam estas áreas onde «se têm feito sentir, de forma particular, os efeitos de mais de quatro décadas de política de direita». A valorização da escola pública a todos os níveis e a criação de um verdadeiro serviço público de cultura são propostas centrais. Noutra contribuição no espaço aberto ao debate, Ana Oliveira, da CAE, adiantou propostas sobre o sistema científico e técnico nacional.

Rui Braga, do Secretariado, falou sobre transportes públicos, que assumem «importância estratégica e estruturante para o desenvolvimento harmonioso do País». Se o rumo seguido nas últimas décadas desarticulou o sistema, degradou, privatizou e encerrou importantes empresas e pôs em causa o direito à mobilidade de muitos portugueses, a proposta do PCP aponta precisamente no sentido inverso: reconstrução, investimento, acessibilidade.

A habitação foi o tema abordado por João Dias Coelho, da Comissão Política, que acusou os sucessivos governos de, por opção de classe, não zelarem pela sua concretização deste que é um direito constitucional. Hoje, lembrou, há «milhares de famílias sem casa ou vivendo em condições desumanas» e o mercado capitalista de arrendamento faz disparar os preços das rendas. Para o PCP, cabe uma vez mais ao Estado garantir a todos uma habitação digna e a preços acessíveis.

Para Vladimiro Vale, da Comissão Política, é hoje por demais evidente que só uma política patriótica e de esquerda garantirá a defesa do meio ambiente, a conservação da natureza e o aproveitamento racional dos recursos, postos em causa pela gula do capital. A luta contra a mercantilização da natureza, acrescentou, trava-se também no plano ideológico, combatendo os que pretendem apagar as responsabilidades do sistema capitalista na degradação ambiental.

Referindo-se ao desenvolvimento regional, Patrícia Machado, também da Comissão Política, revelou que entre 1960 e 2011 o interior – 70 por cento do território nacional – perdeu 30 por cento da sua população. Para inverter esta situação, adiantou, não basta apresentar programas, mas investir no desenvolvimento da produção, nos serviços públicos e no sistema de transportes, valorizar o poder local e instituir a regionalização.

António Rodrigues, do Comité Central, defendeu uma política de Defesa Nacional em que as Forças Armadas tenham como objectivo o «cumprimento da sua missão constitucional» e não o seu envolvimento com a NATO. «Impõe-se contrariar a orientação vigente de sobrepor o respeito pelos compromissos assumidos no plano internacional às exigências e necessidades nacionais», concluiu.




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