As pulgas
Desde que foram arredados do poder PSD e CDS vivem de «casos». Esgotada a narrativa da ficção das eleições para primeiro-ministro que ambos os partidos interpretaram até à exaustão; retirado (?) da política Passos Coelho para se dedicar à vida académica (?) e às conferências internacionais pagas, lucrativa actividade em que se estreou este Verão, em Madrid, numa conferência sobre o mundo do investimento financeiro, acessível apenas por convite, organizada em parceria pela Bloomberg e a CFA Society; entrado em cena Rui Rio para o que parece ser mais uma guerra fraticida entre barões e jovens turcos do PSD; entronizada Assunção Cristas como o paulinho das feiras feminino do CDS, para não ir mais longe, eis que a direita se atropela a tentar cavalgar os pequenos e grandes «casos» que a comunicação social dominante nos vai servindo.
Percebe-se. Incapaz, em questões de fundo, estruturais, de se diferenciar do PS – submissão aos ditames da União Europeia, da NATO, do grande capital – e tendo como única política social o apertar do cinto dos trabalhadores e a caridadezinha assistêncialista aos mais pobres dos pobres, a direita anda à deriva sem atinar no discurso.
Cristas, qual rainha de copas da Alice no País das Maravilhas, resolve tudo com um «cortem-lhe a cabeça», partilhando com aquela personagem uma peculiar visão da justiça que consiste em decretar a sentença antes do veredicto, e dispara em todas as direcções num crescente de populismo sem rei nem roque que seria hilariante se não fosse tão perigoso.
Rio, a braços com a contestação interna e a sublevação do seu grupo parlamentar, a que a deputada Teresa Morais deu voz com a publicação de um texto na imprensa sintomaticamente intitulado «Deixem-nos trabalhar», numa evocação de Cavaco Silva, parece perdido no labirinto partidário. Dividido entre uma alegada «postura de Estado» e o manifesto empenho em manter abertas as vias de concertação com o PS, Rui Rio anda a tentar provar que não é de direita para conquistar o eleitorado do centro... direita.
É neste contexto que os «casos» mediáticos, independentemente da importância efectiva de cada um, invadem os discursos, qual cortina de fumo a esconder o que de facto importa debater.
O mais paradigmático é o «caso de Tancos», sobre o qual tudo se tem dito. Apresentado ora como se de uma ópera bufa se tratasse, ora como se fosse um terramoto que não deixa pedra sobre pedra, o caso pôs meio mundo a debitar sobre o que (supõe-se) não sabe, qual circo de pulgas. As pulgas do circo de pulgas não existem, mas todos as «vêem» a pular no trampolim, a tomar banho, dançar o tango ou a nadar na corda bamba...
Pouco importa onde começa a realidade e termina a ilusão. O que importa a qualquer pulga que se preze é chupar o sangue dos incautos.