O fogo e o resto

Correia da Fonseca

Manhã de domingo, a muitos telespectadores terá acontecido que ao ligarem os seus televisores logo depararam com a notícia de que a Serra de Sintra estava a arder: assim, tal qual, pelo menos num dos canais que diariamente saciam a nossa natural curiosidade pelo que vai pelo País e pelo mundo. É provável que a informação tenha impressionado muita gente, e não apenas entre o residentes em áreas mais ou menos próximas da zona que ardia.

Não é que Sintra e a sua serra devam merecer mais desvelados cuidados que qualquer outro lugar do País, mas é bem sabido que Sintra é «produto de exportação», digamos assim, além de ser um lugar particularmente belo, tanto e de tal modo que por ele se apaixonou há já cento e muitos anos um senhor alemão, Fernando de seu nome próprio, de Saxe Coburgo Gotha de seus apelidos. Fernando viera de distantes lugares para casar com Maria, rainha de Portugal e a segunda com o seu nome, e caiu apaixonado por Sintra e pela sua serra que lhe lembrariam talvez os lugares de origem.

Já então, é claro, Sintra era belíssima, com a vantagem para os residentes na capital e seus arredores de estar ali a dois passos, o que não deixará de reforçar a estima em que é tida. Por tudo isto e decerto muito mais, a informação de que o fogo devorava uma parte dela terá emocionado muitos telespectadores e não apenas os residentes entre Lisboa e o eixo Sintra-Cascais.

Fagulhas

Logo foram chegando notícias subsequentes: a ida para o combate ao fogo de um elevado número de bombeiros, de viaturas e de «meios aéreos»; também do Presidente da República (que não estaria longe, pois continuará a residir em Cascais), decerto de mais uma outra figura do aparelho de Estado. Até que o fogo capitulou e se passou à fase de rescaldo, aquela em que se começa a respirar com alívio. Tudo bem, pois.

Até que umas horas mais tarde a televisão começou a favorecer-nos com indícios de que a culpa do incêndio seria do Governo, e bem se sabe que em casos destes dizer-se que a culpa é do governo significa de facto dizer-se que a culpa é da «geringonça», essa engenhoca danada que tantos desgostos tem dado a alguns. Assim, a televisão veio dizendo que aquele fogo já era esperável e que técnicos estrangeiros (que são os que sabem, é claro) já tinham avisado o Governo do perigo, de onde o cidadão telespectador minimamente atento poderia concluir que a culpa do fogo era afinal do dr. Costa.

Assim ficava demonstrado que não há infelicidade que não transporte consigo uma sementezinha de vantagem, neste concreto caso consubstanciada pelo facto de saltarem do incêndio em Sintra algumas fagulhas capazes de queimarem pelo menos um pouco o Governo e as suas más companhias. Vale-nos a atenta TV, sempre a velar pelo nosso melhor entendimento das coisas. Notemos essa virtude, não a esqueçamos nunca. Para nossa boa orientação.




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